fazia imaginar que alguma coisa terrível estava acontecendo na Europa: ciberataque dos russos para sinalizar para as fragilidades da UE, atos terroristas pulverizados pelo continente e o início da Terceira Guerra Mundial… felizmente, nada disso.
Mas eu fiquei particularmente curioso para ver como o jornalismo espanhol lidaria com um evento tão impactante como esse. Resumo o que percebi em quatro tópicos rápidos:
- Como na pandemia e em outras crises, o radinho de pilha “salvou” muita gente. Soube que em Portugal, o item esgotou rapidinho nas lojas de Lisboa, Porto, Coimbra e até Aveiro. Na Espanha, 62% da população recorreram ao aparelho para se manter informada, revelou pesquisa do Centro de Investigaciones Sociales (CIS) ontem. As rádios públicas foram muito elogiadas;
- Assim que a energia foi religada, as emissoras de TV montaram programas com comentaristas discutindo o assunto até ninguém mais aguentar. Isso não é bem uma novidade por aqui porque os espanhóis adoram uma tertúlia, e fazem esses programas de debates sobre tudo (da alta do preço do azeite ao fim do contrato do governo para comprar balas de Israel). Depois de dias, as mesas redondas esbarraram na grande interrogação do evento: o que aconteceu, afinal? Os especialistas estavam exaustos e os jornalistas não sabiam mais como fazer as mesmas perguntas.
- Passada uma semana ainda não foram divulgadas as razões do apagão. O governo cobra a resposta das empresas energéticas, o parlamento cobra do governo, a imprensa e os cidadãos cobram de todo o mundo e ainda nada. A pauta não vai esfriar tão rápido…
- Fazer a edição do dia seguinte ao apagão foi um desafio inédito para muitos jornais. Soledad Alcaide, a ombudsman de El País, contou em sua coluna os malabarismos que a equipe fez para dar conta do problema: repórteres se deslocaram a pé – pois o trânsito nas maiores cidades estava caótico sem os semáforos; todos priorizaram o uso dos telefones fixos, que ainda estavam em operação; colunistas entregaram seus textos diretamente na sede do jornal; para manter a atividade no prédio foram acionados geradores de energia movidos a gasolina; para economizar a pouca energia dos geradores, foram desligadas lâmpadas e aparelhos de ar condicionado; as impressoras só rodaram porque ainda tinha combustível nos geradores; e diferente da pandemia – quando foi priorizado o home office -, a equipe optou pelo trabalho presencial, o que mostra como redações ainda são importantes e funcionam como bunkers de resistência do jornalismo. A ombudsman avaliou que o jornal reagiu bem à crise porque acionou o seu Plano Meteorito, um protocolo interno para continuar a produção, mesmo em condições muito adversas. O plano tem esse nome porque o nível mais grave de cenários é justamente a queda de um objeto espacial na sede em Madri e sua total destruição. Achei bacana. Mas me diga aí: você conhece quantos meios de comunicação que têm um planejamento desse tipo?