Passei a tarde de hoje no Centro de Eventos da Marejada, o pavilhão onde acontece a maior festa da cidade e onde se montou o centro de recebimento e distribuição de donativos. Havia centenas de pessoas por lá, separando alimentos, montando cestas básicas, dobrando e triando roupas. Voluntários, autoridades, militares das mais variadas patentes e corporações, anônimos e famosos da região, todos trabalhavam com rapidez, cadência e vontade.
A todo o momento chegam carretas lotadas, automóveis particulares, caminhões, gente a pé com sacolas. É muito alimento, muitas roupas de uso pessoal e de cama, muito material de higiene e limpeza. As doações vêm de diversas partes, num volume estrondoso e rápido.
No interior do imenso pavilhão da Marejada, senti um clima diferente dos anteriores. Não mais a tensão, a carranca, o semblante carregado das pessoas. Não mais a nuvem negra pairando sobre as cabeças. Senti um espírito cooperativo, vibrante, aglutinador. Percebi nos rostos das pessoas um brilho difuso, uma esperança agora incontida. Havia a generosidade de antes, mas uma energia mais positiva, mais voluntariosa, determinada a seguir e a ajudar.
Como escreveu o Joel Minusculi, é hora de recomeçar. Não é vontade de esquecer, de virar a página. Mas de ir adiante. Rogério Kreidlow, por exemplo, evoca a figura de um narrador para contar a sua própria vontade de contar o que se perdeu nessa tormenta toda. Um texto lindo e comovente.
Luto e luta
Andando pelas ruas da cidade, a impressão é uma só: aconteceu uma hecatombe por aqui. A quantidade de móveis destruídos descartados é inacreditável. Num mesmo quarteirão, quase todas as casas têm entulhos nas suas fachadas. O prefeito Volnei Morastoni, em entrevista à TV, deu um número assombroso: ele calcula que serão necessárias cerca de onze mil viagens de caminhão para recolher todoo entulho e lixo resultante das cheias. “A quantidade é tão grande que a cada quatro casas enchemos um caminhão”, completou.
A tristeza é grande. A desolação é tamanha, e o sentimento de abandono e perda são indescritíveis. Mesmo assim, tenho encontrado gente que prefere a luta ao luto. Sim, gente que tem uma coragem verdadeira e inquebrantável. Gente que te olha nos olhos e diz com convicção que a vida vai entrar nos trilhos, que as coisas vão se ajeitar, que os prejuízos foram muitos, mas mais importante é estar vivo. É arrepiante estar aqui e ver essas demonstrações inequívocas de força e alma.
A medida da água
No final de semana, foi tudo muito rápido. Em dez horas, tivemos a maior enchente da história de Santa Catarina, e uma das maiores catástrofes ambientais do país. Foi o nosso Katrina. Na manhã do domingo, por volta das 10 horas, minha esposa registrou a chegada das águas na esquina de casa, conforme se vê abaixo.
Quando a água chegou ao ponto mais alto, estava pela cintura. O lodo tomou tudo.
A água só foi vazar mesmo na terça e na quarta. O que ficou tatuado no asfalto era um misto de lixo, de pedaços de móveis e objetos pessoais perdidos, de corpos de animais, de lama ressecada. A destruição deixada pela enxurrada foi apenas uma dimensão das cicatrizes que ficaram na memória e na vida de quem passou por tudo aquilo.
Sim, é hora de ir adiante. De se reerguer, sacudir os cabelos e olhar para a frente. A vida é mais.
Ê rapaz! Que bom sentir que o clima é de energia para cuidar da continuidade da vida! Li há pouco que vai haver um show aqui em São Paulo, promovido pela TV Cultura, no domingo, para reunir mais arrecadações e encaminhar para aí.
Abço, bom te ler!
Amigo Rogério,
Penso que posso dizer o que sei um pouco sobre o que é viver tudo o que tens vivido. Minha história em Santa Catarina praticamente começou com lama e água, com dor e solidariedade…Naquele tempo, 1983, aos 18 anos, eu não sabia que podia amadurecer tão rápido e tão poucos dias.
Feliz por saber que tu e tua famílias estão bem.
Continuo a orar por todos.
Um bjo
Sim, Ana, me lembrei muito de vc por aqui nesses dias todos: a turista que virou desabrigada… 25 anos se passaram e a vida prepara a sua repetição…
Obrigado, Lilian, pelo apoio e pela amizade. Forte abraço.
UM grande abraço a todos que neste momento ultrapassa tudo e vê todos estes como se fossem da própria familia.
Sinto muito não poder fazer nada além de torcer para estas pessoas recuperarem a força e a coragem de continuar o caminho esperando que dias melhores virão…
Força ….