diretrizes curriculares: mais um relato

Há duas semanas, observei a carência de relatos sobre a primeira audiência pública que discutiu aspectos importantes para as novas diretrizes curriculares dos cursos de Jornalismo. O evento aconteceu em 20 de março no Rio. Recebi de membro da Comissão que lidera as discussões um email com um texto do professor, José Marques de Melo, sobre o assunto. Marques de Melo preside a Comissão, e o texto que reproduzo abaixo é uma versão da aula inaugural do curso de Jornalismo recém-criado na Universidade Federal de São João Del Rey (MG).

Por que reproduzo o texto? Ora, porque ele reforça a discussão sobre a reforma das diretrizes, e porque é assinado por alguém mais do que credenciado para este debate.

Ao texto, portanto!

Repensar o ensino de jornalismo para fortalecer a democracia[1]

Durante seis décadas o Brasil acumulou experiência na formação universitária de jornalistas, construindo uma matriz pedagógica que lhe confere singularidade no panorama mundial.

Mesclando o padrão europeu (estudo teórico) com o modelo americano (aprendizagem pragmática), logramos uma via crítico-experimental de ensino-pesquisa.

Entretanto, o jornalismo adquiriu maior complexidade, principalmente em função da convergência midiática e das transformações da sociedade.

Capitalizando meio século de imersão em atividades jornalísticas, tenho consciência de que o nosso ensino do jornalismo precisa ser reinventando para fortalecer a democracia. Por isso, aceitei a convocação do ministro Fernando Haddad para presidir a comissão encarregada de rever as diretrizes curriculares do curso de Jornalismo.

Formada pela Secretaria de Ensino Superior do Ministério da Educação, a comissão tomou posse em Brasília, no dia 19 de fevereiro, decidindo preliminarmente debater a questão com os segmentos representativos da sociedade.

Metas e compromissos

Constituída por jornalistas com experiência no mercado e na academia [Fazem parte da comissão Alfredo Vizeu (UFPE), Eduardo Meditsch (UFSC), Lucia Araújo (Canal Futura), Luiz Gonzaga Motta (UnB), Manuel Carlos Chaparro (USP), Sergio Matos (UFRB), e Sonia Virginia Moreira (UERJ)],  a Comissão de Especialistas foi criada para rever e atualizar exclusivamente as diretrizes curriculares do Curso de Jornalismo, dentro da área da Comunicação Social, focalizando dois aspectos: o perfil do jornalista demandado pela sociedade e suas competências ou habilidades profissionais.

Além de promover audiências públicas no Rio de Janeiro (academia),  Recife (mercado e profissão) e São Paulo (sociedade civil), a comissão vem mantendo canais abertos para dialogar com todos os segmentos da área, através das suas entidades representativas. Pela internet,  vem recebendo propostas e sugestões de todo o país. Cada audiência contempla, portanto, um segmento do universo jornalístico.

Realizada no Rio de Janeiro, no dia 20 de março, a primeira contou com a participação da Sociedade Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo – SBPJOR, do Fórum Nacional dos Professores de Jornalismo – FNPJ, da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação – COMPÓS, Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação –  INTERCOM, Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação –  ENECOS, de alguns diretores de faculdades e coordenadores de cursos, além de professores, pesquisadores e estudantes.

Os empresários e os trabalhadores da área serão ouvidos, na cidade do Recife, no próximo dia 24 de abril. Os proprietários de empresas jornalísticas estarão representados pela Associação Nacional de Jornais – ANJ, Associação Nacional de Revistas – ANER, Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão – ABERT, Associação Brasileira das Assessorias de Comunicação – ABRACOM, etc. Por usa vez, a representação dos jornalistas se fará pela Federação Nacional dos Jornalistas – FENAJ e associações setoriais, como a Associação Brasileira de Jornalismo Científico – ABJC.

A sociedade civil se manifestará em São Paulo, no dia 18 de maio, através de entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, Associação Brasileira de Imprensa – ABI, Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, Associação Brasileira das Organizações Não-Governamentais – ABONG,  movimentos de mulheres, afro-descentes,  e congêneres.

A comissão está aberta a contribuições de todas as entidades interessadas na melhoria da qualidade do ensino de jornalismo.  Pretendendo cumprir o cronograma previamente estabelecido, a equipe apela a todos os segmentos interessados para que enviem suas propostas e recomendações até maio, quando se encerram as audiências públicas.

Na primeira semana de junho, em Brasília, o grupo se reúne com representantes de órgãos vinculados ao Ministério da Educação para avaliar a natureza e a exeqüibilidade das recomendações  a serem propostas, antes de entregar seu relatório final ao ministro Fernando Haddad.

Balanço

A audiência do Rio de Janeiro foi muito produtiva. Há consenso sobre a questão da qualidade, e por isso mesmo surgiram propostas no sentido de que as diretrizes curriculares não se esgotem em si mesmas, mas incluam a avaliação de desempenho dos cursos e a fiscalização da suas condições de funcionamento. Por outro lado, ficou clara a necessidade de fortalecer a comunicação como grande área do conhecimento, à qual pertencem o jornalismo e outras áreas profissionais como publicidade e relações públicas.

Também aflorou a problemática da formação dos professores de jornalismo, demandando articulação com os programas de pós-graduação. Da mesma forma, foram anotadas propostas para assegurar oportunidades de estágio  aos formandos,  nas empresas do ramo, bem como o incentivo à iniciação científica para fomentar a pesquisa desde a graduação. Destacou-se, finalmente, a responsabilidade de repensar o jornalista como profissional que tem papel decisivo na consolidação e aperfeiçoamento da sociedade democrática.

Ao ser entrevistado pelos repórteres que cobriram a audiência pública do Rio de Janeiro, tive oportunidade de reiterar algumas questões, a seguir resumidas.

As minhas idéias sobre a formação dos jornalistas estão contidas  nos livros que publiquei, sobretudo os mais recentes: Jornalismo Brasileiro (Sulina, 2003), Teoria dó Jornalismo (Paulus, 2006), Vestígios da Travessia: da imprensa à internet (Paulus, 2009), Jornalismo, forma e conteúdo (Difusão, 2009) e Jornalismo, conhecimento e reinvenção (Saraiva, 2009).

Seus parâmetros pedagógicos foram testados no Curso de Jornalismo que fundei em 1967 na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo – ECA-USP, mas também aplicados no Curso de Jornalismo da Universidade Metodista de São Paulo, onde trabalho atualmente. Trata-se de modelos que, durante vários anos, servem de referência para tantos outros cursos em todo o país. Além de atualizada formação teórica e experimentação pratica, no campo do jornalismo, o futuro profissional deve ter uma sólida formação humanística (geral ou especializada).

Contudo, o maior desafio que deve enfrentar o jornalista diplomado é de natureza ética. Ser fiel à destinação do jornalismo como serviço público, sem perder de perspectiva as inovações tecnológicas que atualizam constantemente seus gêneros e formatos, garantindo plena interação com as demandas da sociedade.

Perspectivas

Amparados em princípios que preservem a vocação educativa e missão civilizatória do jornalismo, além de balizados pela cidadania e comprometidos com a preservação da democracia, os novos profissionais não podem ignorar as forças que atuam nos bastidores da profissão, tanto as econômicas quanto as políticas.
Nesse sentido, torna-se fundamental exercer vigilância para assegurar a qualidade, a diversidade e a liberdade nos processos de formação acadêmica.

Quero, a título de conclusão, anotar alguns princípios que podem ajudar nessa tarefa.

Tenho consciência de que formar profissionais responsáveis e competentes constitui dever inquestionável dos cursos de jornalismo.

Creio também que esses cursos devem praticar a diversidade, preservando as diferenças regionais e dialogando com as organizações onde os formandos irão exercer a profissão.
Defendo finalmente um modelo de universidade mais aberto e menos engessado, capaz de assegurar liberdade aos estudantes.  Somos legatários de uma tradição cartorial, mantendo programas de ensino que enclausuram os jovens ingressantes em grades curriculares compulsórias.

O direito de mobilidade, dentro do campus, não pode ser manietado, principalmente numa conjuntura em que as fronteiras do conhecimento estão em processo de mutação.

São estes, na minha maneira de ver, os requisitos básicos para formar profissionais competentes, criativos e empreendedores.

Desejo firmemente que eles possam servir como eixos norteadores deste Curso de Jornalismo que a Universidade Federal de São João del Rei em boa hora decidiu criar, sob a responsabilidade de um corpo docente idealista.

Não tenho dúvida de que esse resultado será atingido plenamente, tendo em vista a sabedoria do reitor Helvécio Luiz Reis ao confiar a  liderança do Curso de Jornalismo ao Prof. Dr. Guilherme Rezende, cuja trajetória acadêmica acompanho há mais de 30 anos. Trata-se de intelectual admirado por todos, não só pela tranqüilidade, seriedade, disciplina e motivação, mas, sobretudo,   por seu cativante humanismo, temperado pela generosidade peculiar ao modo de ser mineiro.

3 comentários em “diretrizes curriculares: mais um relato

Deixe um comentário