Outro leitor deste blog, Celio Penteado, discorda do que escrevi sobre o fato de jornalistas terem desrespeitado o direito de imagem dos assessores do governo ao gravarem suas reações. Ele escreve: “Que bobagem essa história de autorização do uso da imagem. Se for assim não se poderia documentar um seqüestro. Deveríamos pedir primeiro, e por escrito, a autorização do seqüestrador. Se quisesse manter a privacidade, deixasse a cortina fechada”.
Também concordo em partes. Começo pelo final. Claro! Se o governo quer privacidade, que construa as condições para tal. No episódio, era fácil. Basta fechar as cortinas. Basta zelar pela confidencialidade. Não se expor. Como fez o presidente: não apareceu. Só o fez 72 horas depois. (Que agilidade! Onde estava Franklin Martins, que poderia aconselhar melhor o presidente?) Já disse aqui: quem faz a foto é o modelo, quem zela pela pose é o fotografado. E em tempos de regime das imagens, todo cuidado é mínimo.
Entretanto, a questão do direito de imagem vai mais além. Segundo o direito, a coisa é assim: todas as pessoas têm direito sobre as suas imagens e não podem abdicar delas. O que podem é autorizar a exploração e o uso delas. Todas as pessoas, inclusive os famosos, têm esse direito.
Neste sentido, a Justiça entende que há dois tipos de imagem: imagem-retrato e imagem-atributo. A primeira se refere ao físico, ao visual, à projeção visível e apreensível de alguém, como um retrato da pessoa. A segunda tem relação com sua reputação, decoro, imagem pública, honra, etc. Por que os juristas dividem? Porque, na verdade, a exposição de alguém fazendo algo pode não constituir em danos para essa mesma pessoa e só o fará quando for violada a imagem-atributo. Explico: se sou fotografado numa praia da Espanha conversando com a Daniella Cicarelli, não posso argumentar que sofri algum dano com essa exposição. Agora, se estiver na mesma praia me esfregando em Marco Aurélio Garcia (em pleno ato de traição à minha esposa e em flagrante atentado ao pudor), posso argumentar que a veiculação das imagens foi nociva a minha pessoa. Foi nociva porque constrangeu a mim e aos que me cercam, e porque me vinculou a alguém com quem eu não gostaria de ser visto.
Nesse episódio, eu poderia processar o fotógrafo? Sim. Mas eu teria legitimidade? Aí, já são outros quinhentos. Primeiro, a coisa aconteceu fora do país e lá as leis são outras. É necessário observar se a coisa se aplica. Segundo, podem argumentar que eu estava fazendo duas coisas erradas (adultério e atentado ao pudor, tipificados em nosso Código Penal) e meus delitos são maiores que os danos que sofri com a violação de minha imagem. E é justamente aí que as coisas emperram no escritório do advogado: quando o causídico vê a coisa nesse impasse, orienta – na maioria dos casos – a não entrar na Justiça para não fazer mais alarde ao caso, e porque a causa tem altos riscos de ser perdida.
É claro que o meu exemplo é canhestro. Mas as condições de análise podem ser plenamente transpostas ao episódio do top-top. Marco Aurélio e seu assessor tiveram sim seu direito à imagem desrespeitado pelos jornalistas que os flagraram vendo o Jornal Nacional. Mas não têm força, legitimidade ou – no popular – moral para contestarem as imagens veiculadas, cujo significado simbólico é mais arrasador que a gravação das cenas.