jornalismo no limite da vida

Sou um cara relativamente educado. Mas isso não faz com que eu doure a pílula para meus alunos. Para eles, sou franco e direto: jornalismo não é uma profissão cor-de-rosa, fácil, glamourosa, tranquila. Digo sempre dos perigos, dos riscos e da quantidade enorme de razões que podem fazer gente equilibrada desistir. Eu alerto: precisamos de gente capaz tecnicamente, comprometida eticamente e consciente do papel a ser exercido.

Se é uma profissão de riscos também é um exercício fascinante, empolgante, pulsante. Uma redação é um ambiente que fervilha, que fermenta, que transborda vida. Nossa rotina é estressante mas traz recompensas. É o furo de reportagem. É a matéria pacata que orienta e instrui o público. É a informação que interessa e ajuda o cidadão comum. É a publicação de algo que estava oculto, privando a coletividade de saber dos detalhes…

Rogério Kreidlow reflete com muita propriedade sobre os limites perigosos do jornalismo. Seu foco inicial é a fotografia, mas a coisa não muda nas demais funções que exercemos. É preciso coragem, vontade, paciência, insistência e preparo. Às vezes físico, e sempre emocional. Acho que não se trata de se queixar, de achar que a profissão é um martírio, um inferno. Quem pensa e age assim – na minha visão -, tem dois caminhos: deixar a coisa pra trás ou atuar para fazer a coisa melhorar. Seja na luta por melhores condições de trabalho; seja na lida diária, oferecendo o sangue e o suor para aperfeiçoar as práticas e procedimentos jornalísticos.

Ficar choramingando não é a melhor atitude. Submeter-se a qualquer degradação também. É preciso estar atento e forte. Há uma escalada da precarização das condições de trabalho, mas não apenas para jornalistas. Há também uma demanda ainda não satisfeita do público de saber das coisas, de se informar. Sim, ainda somos muito úteis.

Kreidlow conta a história de uma fotógrafa que se arrisca pra valer, ficando a poucos passos do risco real de morte. Alguém pode se perguntar: mas vale a pena? Claro que vale. Acho que a própria profissional responderia com a mesma ênfase. O prazer profissional, a realização nesse que é uma das dimensões mais importantes da nossa vida – o trabalho -, a sensação de estar sendo útil para a sociedade, tudo isso, seja no jornalismo, na medicina ou em qualquer ofício, isso é o que nos move. Dinheiro, fama, notoriedade, respeito são substratos do trabalho incansável.

Discutir a profissão nos faz rever percursos, alinhavar novas metas e redimensionar os esforços que nos propomos a tornar a vida melhor. Mesmo que estejamos no limite dela.

3 comentários em “jornalismo no limite da vida

  1. Ops, legal continuar o post aqui, e com essa visão mais clarificada. Na pressa, talvez não deixei tão claro que não condeno esse trabalho “sujo” (vou até por entre aspas lá também), mas falar que ele é necessário – e nobre. O que falta mesmo – opinião pessoal – é mais conversa sobre isso. Tem quem só faça e não pare pra pensar a respeito, o que é menos saudável do que fazer o trabalho “sujo” com consciência.
    Valeu!

  2. Belo texto. Tenho uma mistura de admiração com espanto pelos colegas que arriscam a vida pra levantar boas histórias ou clicar boas fotos. Algumas vezes coloquei a vida em risco, mas nem de longe de maneira sistemática como os que cobrem habitualmente guerras, o cotidiano da violência urbana, a grilagem de terras na Amazônia etc. É o idealismo levado ao extremo – embora em alguns casos, como contou certa vez o José Arbex sobre a cobertura da invasão russa ao Afeganistão, haja coleguinhas pirados mesmo, que encaram esses perrengues pra fugir de dramas pessoais. Enquanto houver boas histórias pra serem contadas, esses profissionais são essenciais. Isto é, sempre.

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