dia dos pais: crônica 9

Na prática, a teoria é outra (24/05/2005)

Esses dias, recebi um email muito útil, de verdadeira prestação de serviços. O assunto já dizia a que vinha: Treinamento para ter filhos. E numa linguagem clara e com evidente intenção pedagógica, trazia quatro exercícios práticos para aqueles que planejam ter bebês em breve. Vou reproduzir alguns trechos, adicionando detalhes que aumentam o grau de dificuldade das tarefas.

Exercício 1. “Vestindo a roupinha: Compre um polvo vivo de bom tamanho e vá colocando, sem machucar a criatura, nesta ordem: fraldas, macaquinho, blusinha, calça, sapatinhos, casaquinho e touquinha. Não é permitido amarrar nenhum dos membros. Tempo de execução da tarefa: uma manhã inteira”.

Nesta primeira prova, tenha muito claro que o seu bebê é mais ágil, mais forte e mais insistente que o polvo do exercício. Tudo bem que o polvo é mais escorregadio e tem ventosas nos tentáculos. Entretanto, seu bebê pode também se tornar escorregadio se estiver na hora da troca de fraldas; seu bebê gira em torno do próprio eixo, podendo ocasionar quedas do trocador, da cama ou de qualquer móvel resistente que você o apóie. (O “resistente” da frase anterior é condição sine qua non para a troca. Se puder fixar algemas no trocador, ajuda). Seu bebê não tem ventosas, mas tem unhas que crescem rápido; seu bebê não tem oito tentáculos, mas na hora isso não faz diferença. E o pior: seu bebê sobrevive fora d’água. Diferente do polvo.

Exercício 2. “Comendo sopinha: Faça um buraquinho num melão, pendure o melão no teto com um barbante comprido e balance-o vigorosamente. Agora tente enfiar a colherinha com a sopa no buraquinho. Continue até ter enfiado pelo menos metade da sopa pelo buraquinho. Despeje a outra metade no seu colo. Não é permitido gritar. Limpe o melão, limpe o chão, limpe as paredes, limpe o teto, limpe os móveis a volta. Vá tomar um banho. Tempo para execução da tarefa: uma tarde inteira”.

O melão sugerido ajuda a treinar. Mas assim que executar a tarefa uma vez, volte a executá-la outras tantas. Afinal, seu bebê tem pelo menos três refeições diárias. E geralmente, assim que você termina de limpar tudo, está na hora da próxima papinha. E melões são mais pacientes.

Exercício 3. “Passeando com a criança: Vá para a pracinha mais próxima. Agache-se e pegue uma bituca de cigarro. Atire fora a bituca, dizendo com firmeza: Não. Agache-se e pegue um palito de picolé sujo. Atire fora o palito, dizendo com firmeza: Não. Agache-se e pegue um papel de bala. Atire fora o papel de bala, dizendo com firmeza: Não. Agache-se e pegue uma barata morta. Atire fora a barata morta, dizendo com firmeza: Não. Faça isso com todas as porcarias que encontrar no chão da pracinha. Tempo para execução: o dia inteiro”.

O exercício proposto ajuda a desenvolver a paciência, mas você deve lembrar o seguinte: seu bebê se move com mais rapidez que o papel de bala, é mais insistente que a bituca, mais resistente que o palito de picolé e mais nojentinho que a barata. Em condições normais de temperatura e pressão e fora do laboratório, você não vai se limitar em dizer “Não!” centenas de vezes. Na pracinha, você terá que impedir que seu bebê enforque uma inofensiva pombinha; terá que resgatá-lo da lata de lixo que ele decide conhecer por dentro; terá que desobstruir a garganta dele, lotada de pedrinhas, tampinhas de garrafa, bitucas de cigarro, papel de bala e outras coisas que ele encontrou no chão, porque alguém atirou longe…

Exercício 4. “Passando à noite com o bebê: Pegue um saco grande de arroz e passeie pela casa com ele no colo das 20 às 21 horas. Deite o saco de arroz. Às 22:00 pegue novamente o saco e passeie com ele até as 23:00. Deite o saco e vá se deitar. Levante às 1:30 e passeie com o saco até 2:00. Deite o saco e você. Levante às 2:15 e vá ver a sessão Corujão porque não consegue mais pegar no sono. Deite às 3:00. Levante às 3:30, pegue o saco de arroz e passeie com ele até as 4:15. Deitem-se os dois (cuidado para não usar o saco de travesseiro). Levante às 6:00 e pratique o exercício de alimentar o melão. Não é permitido chorar”.

Considere que, fora de simulações, o seu saco de arroz se movimenta sem parar, grita e chora sem parar também. Considere que o seu saco de arroz começa a noite pesando cinco quilos e terminará o seu expediente pesando cinqüenta. Eu disse seu expediente, pois você precisará ser rendido por alguém no meio do turno. Você terá que chamar reforços. Como eu disse, seu bebê não pára quieto: move as perninhas e os bracinhos, golpeando seu rosto, puxando seus cabelos, enfiando os dedinhos no seu nariz, boca e olhos. As perninhas atingem repetidas vezes o seu estômago e o baixo ventre. Alerta vermelho para os papais: se quiserem que o seu bebê tenha irmãozinhos, mantenha-os a uma altura segura para ambos (ele e você). E como eu disse também, seu saco de arroz grita e chora sem parar. Nos primeiros dias, os vizinhos sorrirão amarelos e mentirão, dizendo que nem ouviram o escarcéu da madrugada. Vão até tentar afagos no saco de arroz. Nas semanas seguintes, eles já comentarão nos corredores a gritaria da noite anterior. (É fácil perceber este estágio: quando você chega no prédio e os pega conversando baixo, eles logo sorriem amarelos de novo e interrompem o assunto bruscamente). No mês seguinte, as queixas chegam ao síndico. E no outro, você recebe uma advertência do condomínio com cópia do abaixo-assinado que fizeram, tentando te expulsar dali…

Se isso já aconteceu comigo? Os dois primeiros estágios, sim. Mas meus vizinhos não se deram ao trabalho de fazer o tal abaixo-assinado. Agi antes: vedei a boca do meu saco de arroz com uma silver tape!

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