A saga de um leitor por um livro

O leitor acorda com uma obsessão: ler aquele livro antes daquela viagem.

Ele sabe que não tem o volume em sua coleção. Do autor, o leitor só tem um título, que descobre que deu de presente para a esposa há 15 anos. É a dedicatória quem lembra, e mais: com espírito romântico, chega a prometer a tal viagem, menos por convicção e mais para embelezar o recadinho de dedicação.

Satisfazer a obsessão será fácil, pensa o leitor. Basta acessar a Amazon e comprar uma cópia eletrônica do livro, mas a ilusão termina em menos de um minuto. Por razões misteriosas, o único título do autor indisponível em ebook é justamente o que ele procura. Pensa em encomendar um exemplar físico, mas a entrega pode demorar mais do que ele poderia suportar.

O leitor, então, aciona o modo furtivo e recorre a sites de download clandestino de livros. Nada. Realmente, o objeto da sua obsessão não está acessível em bits. Vai até a Estante Virtual e até encontra a preços módicos, mas a entrega prevista é daqui a um século!

Cabe então uma busca peripatética por livrarias e sebos da cidade. O obcecado arruma uma desculpa qualquer para ir ao centro, convence o filho a escoltá-lo, e eles varrem os sebos campeões em ácaros e rinite, e… nada! Encontram outros títulos do autor, mas nada próximo daquela santa perseguição.

Num dos capítulos finais, ele acelera o carro para chegar a tempo de encontrar um sebo de bairro aberto. Não! Inexplicavelmente fechado antes das seis da tarde… com a tromba arrastando, o leitor volta para casa, quase derrotado. À noite, emaranhado em pensamentos, tem uma ideia que vai salvá-lo de todo o mal: a biblioteca da universidade!

O sistema eletrônico de busca arranca um sorriso do rosto do leitor. Ele só precisa atravessar uma noite de sono até resgatar o volume naquele deserto das férias escolares. Os corredores estão mal iluminados e o obcecado teme pelo fracasso quando se depara com um setor de estantes isoladas por fita e lonas. As chuvas do mês passado interditaram uma parte do acervo, muito próximo da numeração que ele buscava. Muitos livros foram atingidos pelas malditas goteiras e estão indisponíveis. Precisam se recuperar. Com passos miúdos e o coração apertado, o leitor contorna o espaço proibido e chega à estante; percorre com os dedos as prateleiras e alcança a lombada mais procurada do mundo.

De várias maneiras, aquele fanático tentou comprar o livro, e não conseguiu. Foi uma biblioteca pública que pacificou seu coração. Foi essa invenção perigosa – juntar milhares de livros e permitir que as pessoas os leiam gratuitamente! – que salvou seu dia. Foi essa criação antiga – bibliotecas públicas -, a encarnação do espírito do bem comum, que permitiu ao leitor segurar aquele surrado volume.

Transparência no jornalismo: um mapeamento

Acaba de ser publicada a mais recente edição de Ámbitos, periódico científico da Universidad de Sevilla e um dos mais instigantes da área da Comunicação na Espanha.

O número tem um “monográfico” sobre pesquisa e transferência de conhecimento em comunicação, organizado por Sara Loiti-Rodríguez e meu querido amigo Juan Carlos Suárez-Villegas. Além do dossiê, há artigos sortidos e um deles é assinado por mim e minha ex-bolsista de iniciação científica, Juliana Naime Ferrari, onde apresentamos um rápido mapeamento de instrumentos e práticas de transparência no jornalismo.

Para ler o artigo, clique aqui. Para baixar a Âmbitos 57 inteira, clique aqui.

Perdi meu ex-futuro marido

Conheci Frank Maia num casamento.

As véias nunca mais serão as mesmas…

Era o casamento dos jornalistas Cris Fontinhas e Maurício Oliveira na Ingrejinha da Lagoa. E eu estava de penetra porque não conhecia os noivos e fui de  contrabando da minha esposa à época. No final da cerimônia, o Frank veio falar com a gente e foi amor à primeira vista. Uma amizade de milênios reconhecida num segundo. Quem podia resistir àquele sorrisão e um alto astral simplesmente contagioso…

Não deu muito tempo e trabalhamos juntos num jornal, e eu via dia-a-dia como o Frank evoluía no traço, nas gags, na sua arte. Foi pouco tempo, talvez dois anos, sei lá…

Mas a gente se encontrou muitas outras vezes, quase sempre com nossas mãos agarradas a copos, e era sempre como se tivéssemos conversado há dois minutos. Amantes de quadrinhos, trocávamos impressões de um artista ou de outro, e sempre nos prometemos fazer alguma coisa juntos. E rolou uma vez. Escrevi um historinha de duas ou três páginas que ele desenhou. Faz mais de vinte anos e eu nem encontro mais vestígios daquilo. Mas eu não esqueço o que aconteceu depois. Laerte veio a Florianópolis para uma palestra, e estávamos os dois lado-a-lado e perguntamos sobre duplas de criação. Laerte coçou a barba – sim, faz muito tempo – e disse: “Se você tem quem desenhe pra você, se você tem quem escreva pra você, case com essa pessoa!”.

No lançamento do livro que celebrou parte da obra do Frank

Frank gargalhou, e olhou pra mim com aquela cara de louco dele. Gargalhei também, e prometemos repetir a parceria, mas não aconteceu mais. Em compensação, eu pude acompanhar de perto (às vezes de longe) o meu ex-futuro-marido se tornar o melhor chargista que Santa Catarina já teve. Maior ainda que o ídolo dele, o Bonson, que também já partiu.

Frank viveu e sobreviveu  por conta da sua inteligência, do seu traço rápido e de uma alegria que eu nunca entendi de onde vinha. Não havia tempo ruim com ele. Era generoso, estava sempre muito bem informado e não se desgrudava das filhas mais novas. Nos últimos meses, nos encontramos sem querer sempre no centro da cidade, onde frequentamos bar e banca de jornais, desconfio que os lugares que ele mais gostava. Ainda não acredito que ele foi embora. Ele sempre ficava até o final da festa…

Frank casou algumas vezes, teve vários filhos e fez infinitos amigos. Sou um deles. Mas e se a gente tivesse ouvido a Laerte, hein, Frank?!

E a ética jornalística na pandemia?

Participo amanhã, dia 28, de um debate com a Patrícia Campos Mello, da Folha de S.Paulo, e com o Mauri König, da Uninter, sobre reflexos da pandemia na ética jornalística. É às 19 horas, ao vivo pela página do Facebook do Sindijor-PR, com acesso público para perguntas e comentários.

A jornalista e professora Lenise Klenk, presidenta da Comissão de Ética do Sindicato dos Jornalistas do Paraná, será a mediadora. Aliás, o evento é uma realização da Comissão Estadual de Ética.

Minha prima astronauta e as coisas importantes da vida

Em janeiro de 2017, estávamos num café em Roma quando uma notícia no Corriere Della Sera me chamou a atenção. Era sobre os astronautas norte-americanos Mark e Scott Kelly, irmãos gêmeos, os únicos da história. Mas não foi esta curiosidade que gritou das páginas do jornal. Foi a abertura da matéria que era mais ou menos assim: Dizem que viajar muda as pessoas e, no caso de Scott Kelly, isso não é um exagero. Aí, a matéria dizia que Scott ficou quase um ano no espaço e seu irmão ficou na Terra, e estavam comparando os DNAs dos dois para ver mudanças cósmicas em suas constituições físicas. E perceberam várias…

Achei saborosa a história e isso ficou arquivado na minha mente em algum cubículo.

Quatro anos depois, por alguma razão insondável, li Endurance: Um Ano no Espaço, livro em que Scott Kelly narra sua aventura de 340 dias na Estação Espacial Internacional. É um relato delicioso, cheio de informações interessantes e de grande interesse humano e científico. Entre as muitas coisas que Scott conta está o fato de ter convivido uns três meses com a primeira astronauta italiana, Samatha Cristoforetti.

Isso mesmo! Samantha não sabe, mas é minha prima, embora nossos sobrenomes não sejam exatamente os mesmos. Nossos descendentes vêm da mesma região da Itália e ela sequer imagina que seja minha parente, mas isso pouco importa.

O que importa mesmo é que Samantha foi a primeira italiana a ir para o espaço, é uma recordista de tempo nas estrelas, e é muitíssimo respeitada na sua profissão e em outras áreas. Para se ter uma ideia, ela lançou um livro de memórias  recentemente – Diary of an Apprentice Astronaut – e todo o dinheiro das vendas vai para a Unicef, onde ela é um tipo de embaixadora. (Aliás, Scott Kelly tuitou outro dia que estava lendo o livro)

Não bastasse todas essas credenciais, Samantha foi o primeiro ser humano a fazer o primeiro café espresso no espaço, o que já reserva a ela um lugar destacado em nossos corações. É, sem dúvida, a pessoa na família que foi mais longe, não é mesmo?

Eu quis ler as memórias do astronauta Scott Kelly justamente no momento em que notícias davam conta de uma segunda onda de mortes por Covid-19 na Itália e novas altas aqui no Brasil e nos Estados Unidos. Quem sabe um sujeito que ficou confinado um ano no espaço não tem algo a me ensinar?, pensei.

Tem. Muita coisa. Diferente do esperado herói americano, ele se mostra um narrador gentil, humilde e empático. Um sujeito que valoriza as pequenas coisas que importam, como a amizade, a chuva, um bom livro, e tomar um café numa xícara. Com a gravidade da Terra, claro.

Os Beatles e os Reis Magos

No tempo em que morei na Espanha, nunca me perguntaram quem era o meu Beatle preferido. Mas Sevilha é uma cidade muito católica e uma colega quis saber quem era o meu Rei Mago favorito!

Vocês sabem, alguns países comemoram mesmo o Natal no dia 6 de janeiro, data em que teriam chegado Baltasar, Melquior e Gaspar ao estábulo do deus-menino. Os reis magos trouxeram presentes para Jesus e isso inaugurou a tradição que temos até hoje. Em Sevilha, as pessoas fazem jantares no dia 24 de dezembro, mas o melhor está reservado para o Dia de Reis, quando se abrem os pacotes coloridos.

Na véspera, costuma acontecer uma coisa sensacional, a Cavalgada dos Reis, que é um desfile de carros alegóricos e montarias, lotados de crianças e adultos, distribuindo balas nas ruas. É um carnaval. Todos ficam nas calçadas e quem desfila, vestido como reis magos, atira punhados de balas como se fossem confetes ou serpentinas. Todos retornam as suas casas com sacolas lotadas de doçuras e as ruas ficam pegajosas com as toneladas de caramelos que são repartidos…

A coisa é tão séria que celebridades vestem-se como os monarcas viajantes e chegam à cidade, representando um novo ano, novas esperanças e renovando a fé das pessoas. Te lembrou as representações teatrais da Paixão de Cristo no interior do Brasil? Pois é igual na comoção…

Neste ano, a pandemia adiou a Cabalgata de Los Reyes. Para evitar aglomerações. Mas os sevilhanos não ficarão sem ver os Reis Magos chegarem. A prefeitura vai colocá-los em balões que atravessarão a cidade a 300 metros de altura, e bastará que as pessoas fiquem nos seus quintais, terraços ou sacadas de prédio e olhem para o céu. Não é lá um Submarino Amarelo, mas não deixa de ser um belo transporte “para la ilusión”…

Melhores leituras de 2020

O tempo de confinamento deste ano me levou a mergulhar em leituras. Nunca li tanto e eu me deparei com tanta coisa boa!

Para além de teses, dissertações, livros e artigos – que são material de trabalho, e às vezes até prazeroso -, passei por ficção científica, terror, suspense, quadrinhos, política, direito e um ou outro clássico. Viver numa casa grande, lotada de livros, foi um privilégio infinito, e muitas vezes, imaginei estar dentro de um bunker. Com centenas de CDs e HQs e dezenas de DVDs, eu teria diversão e conhecimento para umas duas vidas…

Para este leitor, 2020 foi um ano bom, e os meus cinco melhores momentos neste tempo foram:

O escultor – Scott McCloud
Sabe quando você compra um livro e esquece ele na estante? Aí, redescobre anos depois, lê e inebria? Foi assim com essa graphic novel de Scott McCloud, que não só explora a linguagem dos quadrinhos como poucos como também aquece seu coração com uma sensível discussão sobre vida, morte e arte. É profundo e impecável esteticamente, e acredite: o artista faz isso com uma econômica paleta de azuis…

A resistência – Julian Fuks
Estava muito curioso para conhecer a literatura dele, mas confesso que uma suposta autoficção de um autor branco, classe média, hétero, na casa dos 30/40, me fazia torcer o nariz. Não vá por aí. Fuks tem um timbre de voz envolvente neste drama familiar que trata de exílios geográficos e afetivos. É um olhar distinto sobre a fraternidade, sobre o amor que se herda dos pais aos irmãos, e dos silêncios que preenchem as distâncias que nos separamos deles. Gostei tanto que engatei a leitura de A Ocupação, que também é muito bom, mas levemente disperso nas três histórias que ele entrelaça…

Falso Espelho – Jia Tolentino
De vez em quando me assombro com alguns autores, e foi assim com ela, uma colunista norte-americana jovem e com um olhar potente e distinto. Mesclando experiências pessoais de quem viveu os hypes internéticos e de celebridades, Jia faz uma crítica social moderna, pulsante, certeira, sem as longas e sonolentas citações que muitos usam como muletas. O leitor atravessa os ensaios do livro e fica, ao final, com uma grande vontade de encontrar com a autora num café descompromissado de esquina. Apenas para ouvir suas impressões sobre as manchetes dos portais, as cenas da cidade e a fauna que nos cerca.

A hora da estrela – Clarice Lispector
Esta moça que fez 100 anos este ano não me é uma completa estranha, mas não é que toda vez ela me dá uma rasteira? Com elegância dissimulada, Clarice provoca em mim um efeito muito necessário sempre: ela congela o tempo e o ansioso aqui passa a olhar as coisas com mais cuidado e atenção. Como ela retira tanto literatura de um nada? Como ela torna alguém tão insípida uma personagem tão interessante e hipnotizante? Eu já conheci algumas Macabéas nesta vida, mas nenhuma Clarice…

O fim da infância – Arthur C. Clarke
No meio da pandemia, eu quis morar nesta história em que fazemos contatos com seres alienígenas. Era uma história do passado – anos 50? -, mas era uma história de futuro também, dessas que a gente quer e não quer realizar. Depois de Asimov e de Bradbury, reservo pouco espaço no meu lobo cerebral dedicado aos futuros, pois desconheço quem tão bem os esculpa. Mas O fim da infância cavou uma cratera aqui, minha gente…

Outubro cheio!

Este post deveria ser escrito em setembro, e vê-lo agora, na segunda metade do mês seguinte, já mostra como estão as coisas por aqui. Sim, aceleradas. Mas nem vou me queixar, eu quero é mesmo celebrar porque o mês está recheado de coisas boas. Pelo menos pra mim.

No dia 13, participei junto com Letícia Cesarino, Ronaldo Teodoro, Rafael Azize e Mariana Possas de um debate do ciclo Jornalismo e Direitos Humanos em Debate, na UFBA. O projeto é uma websérie de 10 episódios semanais tratando de problemas, derivações e consequências da loucura que é se comunicar hoje no mundo, e falar de direitos humanos. Nosso debate tratou bastante de crise de autoridade nas mediações do jornalismo e erosão de autoridade. Aliás, dá pra conferir aqui: https://youtu.be/tk9tXVn8ZIo

No dia 21, participo de uma aula dos professores Rafael Bellan e Rafael Paes Henriques no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Territorialidades, da UFES. A disciplina se chama Questões em Jornalismo e pretendo tratar de um par de ideias que estão no meu livrinho A crise do jornalismo tem solução? (ATUALIZAÇÃO: um vídeo com esta participação está aqui)

No dia 23, estarei no seminário Desinformação e Pandemia, que Ronaldo Henn e os colegas da Unisinos estão promovendo. Participo de um eixo que vai discutir Dimensões éticas implicadas nas fake news e interfaces com sistema jornalístico com Felipe Moura de Oliveira.

No dia 27, converso com os alunos do curso de jornalismo da UFMT-Araguaia, liderados pelo professor Edson Spenthoff. O tema é as fake news, nas novas e as velhas formas de desinformação.

No dia 28, a convite de Vitor Blotta e Ben-Hur Demeneck, dialogo com os pesquisadores do grupo Jornalismo, Direito e Liberdade da ECA/USP sobre jornalismo e poderes das liberdades de comunicação.

Se não houvesse essa maldita pandemia, eu teria passado por cinco estados diferentes (BA, ES, RS, MT, SP), encontrado gente querida e dialogado de perto com elas. Com o vírus, tudo será mediado por telas… Estou muito grato por esses convites e pela oportunidade de trocar ideias e aprender com todos esses amigos queridos. Isso a pandemia não me tira!

Alcancei meu pai

De partida para o espaço sideral, Cooper dá um relógio para a filha Murphy, de 10 anos, e sincroniza com o que está em seu pulso. Para onde eu vou, o tempo passa muito devagar. Quando eu voltar, talvez a gente tenha a mesma idade, ele diz.

Muitos anos depois, Murphy manda uma mensagem para a nave do pai. Agora eu já tenho a sua idade, e talvez seja o momento de você voltar, diz aos prantos.

As cenas são de Interestelar, filme de 2014, dirigido por Christopher Nolan. Elas exploram elementos de física teórica sobre a relatividade do tempo em situações singulares. É um filme sci-fi de grande carga emotiva e dramática, e gosto de vê-lo com meu filho.

Meu pai morreu aos 48 anos, e eu cheguei a essa mesma idade na semana passada. Há um ano atrás, fiquei aflito de não conseguir alcançá-lo. Fiz exames, mudei hábitos, sempre com a esperança de que isso garantisse encontrá-lo em uma esquina do tempo. As mudanças ajudaram, claro, mas sabemos que não asseguram por completo. A vida é misteriosa e cheguei até aqui por mil outros motivos.

Meu pai morreu com 48 anos e 17 dias. O plano agora é ultrapassá-lo. Falta pouco, mas nunca se sabe.

De repente, me lembrei de Valter Hugo Mãe que oferece ao próprio pai o seu A máquina de fazer espanhóis. Ele dedica o livro àquele que “não viveu a terceira idade”.

Sem o relógio de Murphy, fico aqui pensando: Quantas idades vou completar?

Tenho um blog e ele faz 15 anos hoje!

Talvez você já nem lembre mais o que é um blog. Eles estão fora da moda, eu sei.

Mas eu ainda mantenho um, sabe? Aliás, hoje, ele faz 15 anos. Foi em 20 de maio de 2005 que decidi abrir um bloco de notas onde pudesse opinar, compartilhar coisas que eu gostava e me colocar no mundo digital. Era isso o que a gente tinha naquela época e o tempo se encarregou de oferecer substitutos mais atraentes e ágeis dos blogs: redes sociais!

É, já tive contas em algumas delas. No orkut, no Facebook, no Twitter, no Facebook de novo, e hoje no Twitter mais uma vez.

Quem me conhece mais de perto sabe que ando beeeeeeeemmmm descontente com as redes sociais. Há razões de sobra para deletar as nossas presenças por lá, né, Jaron Lanier? Trabalhamos de graça para essas redes, alimentamos monstros nelas, azedamos algumas de nossas relações nesses ambientes, nos domesticamos, inflamos nosso ego e auto-importância, torramos nosso tempo diante dos teclados, fortalecemos gigantes oligopólios exploradores de mão-de-obra em todo o mundo… ah, tanta coisa!

Por outro lado, cada vez mais, valorizo esse espacinho aqui. Ele não substitui as redes sociais, nem quer. É um obsoleto blog, um terreno ocupado, embora não totalmente meu, pois o wordpress e outros intermediários me lembram disso de quando em vez. Mas aqui eu me sinto bem, como a pessoa que adora dormir no sofá velho de casa, com o estofado rasgado, mas com o cheiro familiar daquilo que já embalou seus sonhos.

Nesses 15 anos, deixei muita coisa por aqui. Até resisto a olhar o arquivo para não me arrepender. Afinal, até as cotidianas besteiras fazem parte de nós!

Nesses 15 anos, envelheci e vivi muita coisa. Sou diferente do que era, e é pra ser assim mesmo.

Quantos anos ainda tenho para mim? Quantos posts vou publicar por aqui? Não sei.

Na verdade, não perco tempo pensando nisso. Em algum momento, sem aviso ou cerimônia, os posts ficarão mais raros, o tempo para a escrita pessoal vai se tornar menos importante e, aí sim, esse blog – como registro de uma pessoa qualquer num tempo qualquer – terá cumprido sua função.

Julgamento moral de whistleblowers

Assisti ao documentário Privacidade Hackeada e fiquei intrigado com Brittany Kaiser, a ex-funcionária da Cambridge Analytica que decidiu jogar farofa no ventilador. Estou devorando o livro dela, Manipulados, e as diversas reticências que eu tinha sobre ela ainda se mantêm.

Isso me fez pensar que esse deve ser um comportamento bem comum quando estamos diante de whistleblowers. Isto é, é frequente que esses denunciantes não sejam levados muito a sério em seus propósitos e objetivos. Alguma pulga atrás da orelha fica cochichando que eles podem não ser confiáveis, que suas motivações são combustível de vingança, bla-bla-blá.

 

Quando Julian Assange apareceu para o mundo e despejou sobre nós montanhas de segredos das guerras do Iraque e Afeganistão, e quando nos inundou com oceanos de dados sobre a diplomacia dos EUA, confesso que não duvidei dele. Ele não era um insider como Brittany ou mesmo Edward Snowden. Assange era esquisitão, misterioso, talvez bem intencionado (talvez não), mas não estava diretamente implicado naquilo até o pescoço. Era diferente.

Ah, mas por que não acreditou tão piamente em Brittany? Por que ela é jovem? Por que é mulher?

Não. Também não.

Tive a mesma sensação quando li Vigilância Eterna, do Snowden. Pensei antes: quanto de verdade ele ainda pode nos contar e quanto dessa verdade pode prejudicá-lo? Embora ele tivesse contado parte importante do seu passado e tivesse argumentado sobre as razões que o fizeram mudar de lado, não posso dizer que fui totalmente convencido sobre sua conversão. O mesmo se dá com Brittany e com todos os delatores da Lava-Jato, por exemplo. Eu sei, eles não são propriamente whistleblowers, mas têm alguns pontos de contato com essas figuras: estavam dentro do monstro quando o monstro agia e, por alguma razão, decidiram abrir a boca. No caso da Operação Lava-Jato, a razão não é nenhum bom mocismo: chama-se delação premiada. Quem abrir o bico pode reduzir a pena e ficar menos tempo na prisão…

Mas o que ganham Snowden e Brittany? Suas consciências tranquilas, alguém pode responder. E acho que é um grande ganho sim, mas o que mais me importa pensar agora é: será possível considerar os conteúdos divulgados por eles sem considerar suas condições morais? Por que devemos acreditar no que dizem agora? Apenas por que se mostraram arrependidos? O arrependimento de alguém é um salvo-conduto moral, uma redenção do caráter? Se ainda mantivermos desconfiança sobre o que falam, não estaremos nós sendo injustos com eles?

Não sei responder essas perguntas, e elas ainda me assombram. E eles não deveriam interessar apenas a quem se preocupa com ética, moral e essas coisas fora de moda. Deveriam interessar a jornalistas – que se ocupam de ouvir e entrevistar esses personagens – e deveriam interessar a todos os cidadãos – que são afetados por tais revelações.

A vida mandou um recado

Ontem, um colorido passarinho nos visitou. Ele ficava cantando no alto de um dos muros do quintal, depois descia até uma das bicicletas estacionadas, e depois descia um pouco mais. Parecia estar sacaneando os nossos gatos, com aquela curiosa coreografia. Isso chamou a atenção da esposa que fez o vídeo abaixo:

Hoje cedo, o passarinho voltou a fazer os mesmos movimentos, o que nos intrigou. Cheguei perto do muro e percebi outro canto, além do primeiro. Percebemos que um segundo passarinho estava ali, no vão entre o muro de madeira e o de tijolos. Rapidamente, percebemos que ele havia caído ali. Por sorte, as tábuas são parafusadas, e em minutos, conseguimos soltar a mais baixa, o que permitiu o resgate do passarinho.

Pensávamos que era o filhote ou a companhia amorosa do passarinho colorido, mas… surpresa! Era um bicho mais jovem e de outra espécie. Fraco, dava pequenos voos, mas não conseguia subir até o muro ou ganhar liberdade total. O passarinho colorido, que tinha desaparecido, voltou e os dois trocaram bicadinhas, como se estivessem se cumprimentando. Achamos aquilo maravilhoso: eram amigos, e o colorido estava nos alertando há um dia do cativeiro involuntário do jovem passarinho.

A esposa conseguiu apanhar o resgatado, e o colocou na grelha da churrasqueira, onde estava protegido do vento, poderia beber água, comer migalhas de pão, se comunicar com o amigo colorido, enfim…

Achamos maravilhoso o ato de amizade. Mas foi além: achamos simbólico começar o dia com um resgate daqueles. Quais as chances de um pequeno passarinho cair no estreito vão entre dois muros, ter um amigo leal que nos avisasse daquilo, e ser resgatado com vida? Quais as chances de haver gente em casa e sermos capazes de salvá-lo? Aliás, quem mais poderia salvar aquela vidinha?

Demos um sentido àquilo tudo: era a vida nos dando a chance de entender que, em certos momentos, só a gente pode ajudar alguém, e quando isso acontece, precisamos ajudar.

ATUALIZAÇÃO, das 16h38: O leitor Mauro Demarchi informa que o passarinho colorido é um canário da terra e que, muito provavelmente, o segundo é seu filhote. O detalhe muda um pouco a história acima, mas não reduz em nada o amor nela embutido, não é mesmo? Na verdade, só amplia.

Uma semana sem Facebook

Larguei o Facebook por uma semana, mas ele não me largou. Ficou mandando notificações por email com comentários dos mais próximos, marcações de fotos e convites para eventos, os mais inusitados. Dizer que resisti bravamente é um exagero. Nem precisou. Afinal, me senti tão leve e tranquilo nesse período que vou estendê-lo por tempo indefinido até que eu simplesmente delete a conta.

Sim, eu sei que já poderia fazer isso neste momento, mas alargar o detox é uma maneira de chamar a atenção dos poucos que me seguem e, quem sabe, motivá-los a fazer o mesmo. Eu disse poucos, mas Zuckerberg me corrigiria: são mais de 3 mil pessoas! Ora, sabemos que este é um número abstrato e que o algoritmo de distribuição dos posts só alcança a vizinhança…

Então, este curto balanço da experiência, escrito e publicado originalmente para meu blog também será publicado no Facebook, para aumentar a marola.

O que aconteceu comigo nesta semana?

> depois de postar um aviso na “pior rede” e desinstalar os aplicativos dela e de Messenger do celular, não tive nenhuma vontade de voltar à plataforma;

> as pessoas que me buscaram por essas vias respeitaram minha decisão e me alcançaram por outras vias e isso foi ótimo!

> não me senti desinformado porque notícias dos mais queridos me chegaram por telefone, email e Twitter;

> não penso ter perdido nenhum evento importante da minha vida por isso;

> tive muito mais tempo para ler e comecei a devorar um romance;

> tive muito menos ansiedade, e passei a tomar um demorado café da manhã de 15 minutos ao mesmo tempo que assistia aos gatos brincarem no jardim;

> tive mais tempo para ouvir podcasts encalhados e até descobri uma meia dúzia de novos;

> tive tempo até para assistir filmes e séries na TV, e fui ao cinema…

> não me senti drenado de energia vital na primeira hora de conexão à internet; eu lia notícias, navegava por YouTube, e transitava dinâmico de um ponto a outro;

> senti que tinha mais foco e concentração nas tarefas online que me propunha; o que me ajudou bastante foi ter um bloco de notas e uma caneta do lado. Ao final do dia, eu olhava os rabiscos e tinha a impressão de que tinha feito tudo, ou quase;

> voltei a escrever para este blog e retomar um prazer de lançar ideias como garrafas com mensagens para o mar;

> pude perceber mais momentos de bom humor pessoal, e pude ainda sentir com mais força lampejos intuitivos… eu ouvia a mim mesmo!

É claro que se você leu até aqui há algo que te preocupa com a sua relação com as redes sociais. Pode ser com o Facebook, o Twitter ou Instagram. Cada um escolhe seus caminhos e decide quando se começa a caminhar. Pessoalmente, estou decidido a reduzir meu tempo nessas redes, pois elas não podem ser substitutas das redes sociais verdadeiras, aquelas que a gente faz desde a primeira amizade na infância. Pretendo buscar mais meus amigos por outras vias, esta é a verdade. Talvez eu leve um tempinho até conseguir fazer isso, mas vou insistir. Neste momento do país e do mundo, precisamos cultivar os afetos, e diminuir o tempo diante do teclado me parece ser absolutamente necessário.

Vou sair do Facebook por completo? Muito possivelmente. Talvez logo. Talvez já.

Vou abandonar todas as outras redes? Não. Twitter ainda me interessa, mas só isso por enquanto.

Me acho melhor que você porque venci a batalha contra os gigantes da internet? Não me acho melhor e não venci ninguém. Os gigantes continuam a cobrir o sol e a projetar sua sombra sobre todos nós.

Só quero ter um pouco mais de controle do meu tempo, cuidar dos meus, descobrir coisas novas. No momento, estou brigando para assumir o volante, embora a rotina de caroneiro seja bem confortável…

Um detox de Facebook

Comecei hoje um detox de Facebook. Por uma semana, não vou acessar a “pior rede” nem acionar o Messenger. Deixei um aviso por lá para os mais frequentes.

Há tempos sinto que aquilo me faz mais mal que bem.

É um experimento pessoal sobre como estar naquela rede afeta meu rendimento profissional, meus humores, minhas relações e minha vida. Como disse por lá, pretendo usar o tempo para ler mais, escrever mais (inclusive neste velho blog), amar mais as coisas, os bichos e as pessoas. Quem sabe mudar? Quem sabe não mais voltar?

Por que você não faz o mesmo? Por que não lê também o livro do Jaron Lanier?