Evitei o quanto pude escrever sobre os acontecimentos desta semana, o terrível episódio que vitimou centenas de pessoas na região serrana no Rio de Janeiro. Não quis opinar, manifestar indignação ou acrescentar palavras ao que simplesmente nos rouba o sentido das frases. Mas eu hoje senti uma forte necessidade de pensar aqui neste espaço sobre isso.
Diante da assombrosa realidade das perdas, dos danos, dos prejuízos e das mortes, o que se diz, o que se pensa fica tão banal, tão gratuito e fácil que chega às vezes a ser ofensivo. Por mais que se diga que é uma tristeza sem fim as milhares de histórias contadas nos telejornais; por mais que a gente comente – confortavelmente no sofá de casa – o drama dos outros; por mais que isso tudo nos comova com sinceridade, as palavras simplesmente esfarelam. Elas não podem conter conforto a quem perde um filho ou um amigo; elas não trazem confiança ou esperança, já que a água levou tudo; elas só se limitam a contar, a narrar. É pouco, claro, mas talvez seja uma maneira de nos convencermos da fragilidade da vida, da necessidade do agora, da falência de nossas certezas frente a forças tão incomensuráveis como as da natureza.
Ouvi hoje uma frase atribuída ao evolucionista Richard Dawkins que é mais ou menos assim: “a natureza não é impiedosa; ela é simplesmente indiferente”. Quer dizer, ela não se vinga de nossos atos, não se volta contra o homem-agressor. Ela só segue seu curso, suas regras, estando nós em seu caminho ou não.
Parece resignação, mas é uma maneira escancaradamente realista do que é a espécie humana num planeta de 4,5 bilhões de anos de existência, num canto qualquer de um sistema solar pouco expressivo, numa galáxia ordinária nisso que chamamos de universo. Os humanos nos acostumamos a reivindicar um lugar especial em meio à natureza, pois ainda nos surpreendemos com nossos feitos. Nos deslumbramos com isso ainda. Mas olhando em perspectiva histórica, percebemos que nossa história no curso da natureza é muito diminuta ainda. E observando em termos espaciais, preenchemos muito pouco na dimensão que nos ajuda a delimitar o visível.
O que é que nos sobra, então?
Pra ser honesto, muito pouca coisa. Sobram nossos sentimentos, nossos sonhos, nossas histórias, nossas conquistas, nossos desejos, nossas derrotas. E nada disso é quantificável. Nada disso cabe em galpão nenhum.
É este incontornável sentimento de pequenez que me invade frente às pilhas de mortos em Nova Friburgo, Teresópolis, Petrópolis, Sumidouro… É disso que não consigo desviar ao me perguntar como cada protagonista desses dramas vai reinventar roteiro para suas vidas. A dor é maior que a perda. A morte é o que nos faz pensar na vida. A lágrima desavisada do anônimo no outro lado da tela é que te faz soluçar por aqui.
Uma maneira modesta de dar algum sentido nisso tudo é criar narrativas particulares: talvez isso venha a nos ensinar algo; talvez seja uma provação à nossa fé; talvez ressurjamos mais fortes disso tudo; talvez, talvez, talvez…
É assombrado com o que está acontecendo que fico pensando na nossa imediata necessidade de repactuar nossas relações neste tempo. Precisamos redimensionar nossos valores, atualizar nossas prioridades, redefinir os desejos. O leitor pode enviar donativos aos desabrigados, pode servir como voluntário nesse momento amargo, pode enviar uma prece ou um pensamento positivo. Pode exigir mais atitudes das autoridades, pode se engajar numa luta coletiva. Só não pode é ficar indiferente.
Valeu, Professor!
Nota 9,9. Estou roubando pra publicar na Arca.
[ ]’s,
Raciel
…
Obrigado, meu caro, pela republicação e pela nota (que exagero!).
abs
é isso aí, meu caro, o que nos sobra não cabe em uma salinha.
Falou e disse, girl!