As fortes chuvas que assolam Santa Catarina nos últimos dias, após a tragédia na região serrana do Rio, trouxeram à mídia um personagem já conhecido: o responsável pela Defesa Civil, o major Marcio Luiz Alves. O personagem é conhecido, pois também frequentou os meios de comunicação com assiduidade em novembro de 2008, quando das cheias daquele ano. Mas confesso que nutro uma antipatia pelo major Alves e quero entender porquê.
A primeira coisa que me vem à mente é que não gostei do fato de o major ter sido candidato a deputado estadual em 2010. Sim, o major disputou uma vaga na Assembleia Legislativa, mas só conseguiu 10325 votos, apesar de ter tido farta mídia espontânea e de ser filiado ao partido do então governador Luiz Henrique da Silveira, o PMDB. Na minha lógica linear, um certo oportunismo teria movido o major a buscar um cargo público eletivo. E isso poderia ter me indignado, o que geraria a tal antipatia.
Acompanhando meu raciocínio, minha mulher intervém. “Mas e outros casos que poderiam ter tido oportunismo também? Esse casos te indignam também?” Os exemplos são variados: Romeu Tuma se projetou como xerife da Polícia Federal e se converteu em parlamentar nacional; artistas como Frank Aguiar e Agnaldo Timóteo usaram sua fama nos palcos para “entrar na política”; esportistas como Bernard (do vôlei), Romário e Bebeto (eleitos em 2010 para a Câmara Federal e a Assembleia fluminense), idem… Não, meu sentimento em relação a eles é menos contundente. Não existe complacência, mas acho que o caso do major Alves me indigna mais.
Minha esposa torna a argumentar: “Mas ele tem direito como qualquer um. Você mesmo já defendeu a candidatura do Tiririca!”. Sim, o major Alves, o Tiririca, a Mulher Pera e qualquer um que tenha ficha limpa, seja alfabetizado e tenha uma legenda podem concorrer a cargos públicos. É o que diz a lei. A legislação permite que se candidatem, mas o meu problema aqui não é de ordem jurídica, mas de ordem moral. É algo que farejo como imoral que me causa antipatia, que me faz torcer o nariz.
É claro que o major Alves pode se candidatar ao cargo que quiser; ele tem esse direito. Aliás, como eu tenho direito de nutrir antipatia por ele e manifestar isso sem difamá-lo, injuriá-lo ou atribuir a ele falso crime. Mas a questão que me move aqui é pensar o caso sob o viés de sua moralidade. Isto é: quero investigar porque isso me incomoda, que valor a situação contraria de modo a provocar um sentimento de repulsa ou resistência. Notem que entendo existir uma cadeia que liga valores a sentimentos a ações/atitudes: na medida em que alguns valores/princípios nos quais acreditamos são contrariados, são instigados sentimentos como a indignação, o que provoca – por sua vez – atitudes refratárias de nossa parte.
No caso do major Alves, talvez eu acredite que tenha havido um oportunismo para que ele se candidatasse menos de dois anos depois de sua ampla exposição na mídia. Exposição que se deu num momento dramático para milhares de pessoas. Essa possível atitude se chocou com uma projeção do que acredito ser a defesa civil ou os órgãos de assistência do tipo; e mais: o que penso ser a responsabilidade e papel daqueles que trabalham nessas circunstâncias. Os valores de base – a meu ver – devem (ou deveriam?) ser os mais nobres, aqueles que desprezam o “momento propício” para se beneficiar em causa própria. Deve prevalecer a luta coletiva, a busca da salvação em grupo e não da própria pele.
Mas ainda não estou totalmente convencido de que “apenas” isso tenha motivado esse minha antipatia pelo major Alves. Ando investigando meus sentimentos e os valores que os sustentam. Fico colocando à prova outros casos que podem se assemelhar. Estarei eu apenas implicando com o soldado? Estarei esperando demais daqueles que ocupam cargos estratégicos? Estarei projetando ilusões sobre o caráter e a moralidade dos atos das pessoas em geral? Eu faria diferente do major Alves na situação em que ele esteve? O que pode justificar moralmente a atitude dele se candidatar?
O que você acha, leitor?
ATUALIZAÇÃO: Quase três meses depois, o major Marcio me ligou no celular, dando sua versão do episódio. Leia aqui.
O major usou da frase ” o homem se solidariaza-se no câncer” e tentou a entre em um cargo público pelo emocional do eleitor. Esta prática está cada vez mais recorrente nas campanhas eleitoriais. Mas a sua inquietação também tem um pouco do sentido de que é sempre complicado questionar a moralidade humano porque o nosso telhado também é de vidro.