Já que o assunto do dia é a prisão – pelo que parece definitiva – do jornalista Antonio Pimenta Neves, e já que isso acontece onze anos (parece mentira!) depois do crime que ele cometeu, por que não olhar para este caso pelas lentes da ficção?
O jornalista e escritor argentino Tomás Eloy Martinez fez isso em 2002 com o livro “O vôo da rainha”, onde mistura deliberadamente realidade e ficção, extraídos a duras penas do calor dos acontecimentos. Eloy Martinez conhecia o jornalista brasileiro, ficou perplexo ao saber do assassinato cometido, ainda mais por ter falado com ele poucos dias antes. No meio da escritura de um romance sobre a soberba, encomendado pela Editora Objetiva para a série Plenos Pecados, Eloy Martinez ainda perdeu sua esposa num atropelamento, do qual sobreviveu. Abalado, juntou os cacos e foi borrar as fronteiras entre realidade e ficção para tratar da “abelha rainha dos vícios e pecados”, essa tal de soberba.
O caso Pimenta Neves é um exemplo tão bem acabado desse pecado que até parece peça de literatura. Um dos homens mais influentes e importantes da imprensa nacional mata a namorada a tiros pelas costas, e, graças aos muitos subterfúgios jurídicos, zomba de todos com sua impunidade.
As páginas de Eloy Martinez chacoalham nossas certezas sobre fatos e ficções, exatamente como ele queria. O autor, que morreu em janeiro do ano passado, talvez gostasse de assistir aos capítulos finais dessa história. Ao menos a que chamamos de verdadeira.