uma rede social contra as enchentes de sc

Em 2005, na passagem do furacão Katrina pela Flórida, diversas redes sociais emergiram, informando do epicentro dos acontecimentos tudo o que a grande mídia tinha dificuldades para mostrar. À época, as redes sociais também prestaram serviços, estabelecendo contatos entre diversos atores de forma a fazer chegar donativos e suprimentos o mais rapidamente aos atingidos.

Em Santa Catarina, em novembro deste ano, por conta das enchentes no Vale do Itajaí, blogs, wikis e outras redes sociais também jogaram um papel importante. Em questão de horas, blogs como o Alles Blau informavam como estava a situação em Blumenau, e em Itajaí, o Desabrigados reunia as informações sobre quem tinha deixado suas casas, procurava amparo e parentes perdidos. Na mesma cidade, a Arca de Noé, outra rede social, unia esforços dispersos para informar e prestar serviços.

Nesta rápida entrevista, o criador da Arca de Noé – o ex-secretário municipal da Criança e Adolescente Raciel Gonçalves Júnior – relata a experiência e a importância das redes sociais em momentos cruciais como os vividos no final do mês passado.

O projeto Arca de Noé foi uma das mais positivas iniciativas online em meio à tragédia em SC. Como ele começou? Quem teve a idéia e como ele foi concretizado?
Raciel Gonçalves Jr. –
Sábado (22-nov), às 23h42m28s, meu irmão Rinaldo que mora no Loteamento Santa Regina, Bairro Espinheiros, me chamou no MSN (olha a tecnologia aí), preocupado com a situação. Ele vinha monitorando a subida das águas (mesmo tendo a informação de que aquela área não era sujeita a enchente). Às águas do Rio Itajaí-Açú naquele momento estavam a 100 metros do loteamento. Ele registra que a sua filha tinha chegado do Bairro São Vicente e que tinha passado de moto – sem problemas. Registra que a casa do prefeito eleito Jandir Bellini estava debaixo d’água. Ele tinha contatado o ex-marido da nossa irmã (contador da Secretária de Desenvolvimento Regional de Itajaí) que o avisou que realmente as coisas começavam a preocupar a Defesa Civil Estadual e que a TV Brasil Esperança já estava transmitindo ao vivo as primeiras notícias e pedidos de doações para as primeiras famílias alojadas no CAIC. Assisti a uma conversa ao vivo e por telefone do apresentador Denísio Dolásio Baixo da TV Brasil Esperança com o Márcio Xavier, empresário do ramo imobiliário aqui de Itajaí (somos amigos) e imediatamente a minha reação foi de pegar o meu notebook, roupas e produtos de higiene que estavam solicitando como doação e solicitei ao namorado da minha filha que me levasse para o posto de voluntários que o Márcio estava montando, já antevendo que a noite ia ser longa.

No caminho de casa até o centro (a sede da Imobiliária Xavier é ao lado da Igrejinha, ali em frente à Delegacia da Receita Federal), me veio à mente a lembrança de minha mãe que em noites assim – de muitas chuvas e trovoadas, nos reunia na sala (somo em oitos filhos), e para nos acalmar e para que não sentíssemos medo, lia a Bíblia… Escutei a história bíblica de Noé muitas vezes… Quanto à idéia e concretização, nada foi planejado, nasceu naturalmente… Eu já havia respondido a um convite da Revista InfoExame para entrar na rede que eles haviam criado no NING. Assim, conheci o NING e já havia criado lá a REDE PIÁ (que ainda mantenho para discutir políticas públicas de atendimento à criança e ao adolescente). Incialmente, registrei a Rede Social Arca de Noé apenas para manter um registro de nossos contatos, pendências, e pedidos de ajuda e de doações…

Viramos a madrugada de sábado (22) para domingo, articulando várias ações efetivas. Eu tive um terminal de contêineres em Itajaí (Sulpartner Contêineres Ltda), e sempre vi ali uma possibilidade de com aquelas “caixinhas amigas” ajudar os outros em caso de fatalidades… Eles favorecem a logística para armazenar mercadorias, transportar e acolher pessoas, podem ser posicionados e arrumados de muitas maneiras… A ONU monta verdadeiras cidades com eles… As prefeituras de várias cidades assoladas regularmente por furacões na costa americana e no caribe, se utilizam dessas estruturas para proteger pessoas em casos de calamidades e existem empresas que exploram esse nicho de mercado.

Esta é a primeira vez que você usa redes sociais na internet para a mobilização social? Que outras experiências anteriores já teve?

Raciel Gonçalves Jr. – Eu fui um dos dez primeiros clientes da Melim Informática que introduziu a internet em Itajaí. Se não me engano, fui a terceira pessoa a arquivar em HTML puro uma página pessoal. “Nos Bares da Vida” era um diário das nossas andanças na boêmia… No terceiro setor, sou webmaster para a Associação Passos de Integração (também um dos fundadores, diretor e ex-presidente). Mais recentemente, criei e mantenho o Adoção Brasil . É a primeira vez que administro um número tão grande de membros que se registram (538*) e visitam (9.500*) um domínio mantido por mim – 91.193 page views. (*Sitemeter. Dados de hoje (9), 14:00h. Contando desde 27/11).

Aliás, por que lançar mão desses recursos tecnológicos nesse momento?
Raciel Gonçalves Jr. –
Trata-se de um recurso que favorece a interação e permite que rapidamente se disponibilize às pessoas com acesso à internet, mesmo as que apenas têm um domínio básico, acesso fácil e independente (obviamente que limitado a um padrão previamente configurado), mas com alto nível de qualidade e que está disponível 24 horas, ou seja, se você perdeu alguma informação, na web certamente ela estará disponível e atualizada, nem mesmo o rádio e a TV conseguem tanta interatividade.

Como você situaria esses esforços online em comparativo com os dispendidos pessoalmente?
Raciel Gonçalves Jr. – No meu caso particular, e tenho certeza que para muitas outras pessoas, a sensação é a mesma, os nossos esforços físicos foram tão extenuantes quanto o daqueles que foram observados presencialmente. Na primeira semana, eu não dormi mais do que 2 horas por dia, nos recolhiamos, mas a todo momento éramos acordados via fone e também porque não conseguíamos dormir. Você fecha os olhos e tenta relaxar, o cérebro dorme, mas é um sono cortado, agitado, que incomoda e que nos faz levantar e continuar a trabalhar. Os casos em que não conseguimos uma solução efetiva, apenas ligamos para a pessoa e a confortamos, solicitando que se mantivessem calmos porque tinha alguém que havia escutado e que estava imbuído de chegar até eles. Em relação a outros, nos foi possível assegurar que estavam bem e que podiam aguardar por ações mais organizadas da Defesa Civil. Para outros a Rede Social Arca de Noé articulou e disponibilizou caminhões, contêineres vazios, barcos, lanchas, donativos e voluntários. Também observamos que, aos poucos, muitos profissionais da mídia passaram a buscar aqui os informes e orientações para seus ouvintes. A Arca de Noé também disponibilizou rapidamente Formulários Eletrônicos e Planilhas Eletrônicas que facilitaram o trabalho da Defesa Civil na organização de uma listagem de pessoas desaparecidas e encontradas, serviço esse, realizado em parceria com o Instituto Areté, que é uma proposta nova, ainda em gestação, que chega para trabalhar pelo fortalecimento das políticas públicas de atendimento à criança e ao adolescente.

Que resultados esperava alcançar com a Arca de Noé? Que resultados alcançou até agora?
Raciel Gonçalves Jr. – Inicialmente, só visamos disponibilizar uma ferramenta acessível que favorecesse a mobilização e articulação para ações efetivas. Agora, temos recebido manifestações de várias partes do Brasil que estão nos animando a continuar mobilizando e articulando ações visando agora trabalhar permanentemente pelo fortalecimento da Defesa Civil em nossa região. Em números auditados pelo Sitemeter , nós alcançamos 9.500 visitas e 91.193 page views. Os resultados que mais interessam não temos como mensurar, mas as referências positivas a nossa iniciativa, em jornais de circulaçao nacional (Folha online, Estadão online, blogs, etc.) e as 2.160 referências ao nosso domínio no Google nos asseguram que a iniciativa foi exitosa.

Qual o futuro da Arca de Noé?
Raciel Gonçalves Jr. – A nossa expectativa é de que em terra, ela sirva de QG (quartel general) para os importantes desafios que teremos pela frente, nos somando as iniciativas que estão surgindo e que visam a construir uma Defesa Civil forte, aparelhada e treinada, mobilizada e articulada, enfim, viva!

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