me prendi a esse tal “fio”…

Esbarrei em “Por um fio” num sebo. Só conhecia o doutor Drauzio Varella da TV, e não de seu bestseller “Carandiru” ou outros menos célebres. Acabei levando “Por um fio” pelo preço convidativo, pelo bom estado do exemplar e por um punhado de palavrinhas bem encaixadas no texto da contracapa. Não cheguei a deixar o livro adormecer duas noites na estante e ataquei algumas páginas.

Nem tanto pela prosa, mas mais pelas histórias, fui ficando e devorando capítulos e capítulos. Para quem ainda não ligou o título à obra, “Por um fio” é um livro de memórias autobiográficas do médico mais famoso do Brasil, um respeitado oncologista que volta e meia aparece no Fantástico ou em programas do gênero. “Por um fio”, no entanto, não é nada digestivo, pelo contrário. As histórias que se colhe por lá são alguns resultados de mais de trinta anos de clínica do doutor Drauzio enfrentando casos complicados, incuráveis e surpreendentemente curados.

Sem cerimônia, o leitor é apresentado a todo tipo de moléstia grave, com especial atenção a cânceres e tumores diversos. Sem alternativa, o leitor desfila pelo corredor que separa vida, morte e sobrevida. Fortes, intensas, emocionantes, inesquecíveis, as histórias são também prosaicas, banais, cotidianas para um médico que carrega nas costas as esperanças de parentes aflitos, as dores pessoais e as perdas com as quais precisa conviver. A medicina ali é mostrada como um campo de batalha sem glamour, mas com muito trabalho. O dia-a-dia dos médicos não é faustoso nem heroico. Os momentos finais dos pacientes, seus humores, seus familiares quase sempre são mostrados com cores cruas, pouco vibrantes. A vida é mais dura, aprende-se logo nas primeiras páginas. A luta pela vida é mais ainda. O câncer atinge o rico e o pobre, mata homens e mulheres, e ataca também a quem o enfrenta, no caso, os médicos. A Aids também se mostra virulenta e epidêmica, cruel e irônica.

“Por um fio” é um bom livro para quem almeja ser médico. É um bom livro para quem quer aprender mais da vida e da morte. Para quem quer se aproximar dessa espécie que convencionamos chamar homem. Isso porque revela imperfeições, fraquezas, incertezas e inconstâncias. Isso porque nos atira na cara a dureza e a sensibilidade, a esperança e o desalento, a vitalidade e a inevitabilidade do maior evento da vida.

Nas pouco mais de 200 páginas do livro, o choro fica espremido entre os curtos capítulos. Contive as lágrimas como quem economiza água. Melhor guardar para quando for justificado. Melhor chorar nos maiores dramas. Ao final do volume, o choro ficou embargado; não veio a apoteose, o clímax. Talvez porque o livro espelhe com forte fidelidade a vida, seus altos e baixos. No capítulo final, o desfecho é dilacerante e simbólico. A cena fica congelada no tempo, suspensa por um único fio. Tão frágil e tão elástico, como se a ele se prendesse o mundo e a vida.

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