Em meus tempos de universitário, no final das festas, quase sempre havia um coro de canções de Raul Seixas. A maior parte delas era bem deprê, mas bastava uma para espantar a tristeza que anunciava a dosagem alcoólica geral e previa o final da farra: “Aluga-se!”. O refrão é contagiante: “Nós não vamo pagar nada. Nós não vamo pagar nada. Agora é free! Tá na hora, agora é free!…”
Passadas décadas daquilo tudo, nesta manhã preguiçosa de domingo, tropeço numa entrevista na versão online da Folha de S.Paulo que me fez cantarolar novamente a canção. Na matéria, Raul Juste Lores dá voz a um “guru da indústria jornalística”, o norte-americano Ken Doctor, para quem o público está disposto a pagar por conteúdos online. É claro que a fala de Doctor é muitíssimo conveniente para a Folha, que defende a cobrança. É claro também que essa discussão não é nova, já que nasceum um segundo após o nascimento da internet, antes mesmo de cortarem o seu cordão umbilical. Afinal, quem vai pagar pelos custos de se produzir notícia e entretenimento de qualidade?
Não vou entrar nessa discussão agora. Só quero chamar a atenção para o lugar de fala desses personagens. Doctor dá consultoria a grupos de mídia, e um papel importante nesse trabalho é fomentar opiniões que ajudem a aumentar o entusiasmo (e os lucros) dessa indústria. A Folha de S.Paulo está diretamente interessada que o público se convença de que quer pagar mesmo para acessar textos e outros conteúdos. Chris Anderson, conhecido por livros como “The Long Tail” e “Free!”, colocou mais lenha na fogueira, anos atrás, falando sobre gratuidade e conteúdos premium. Curioso é que seu livro sobre o fenômeno do grátis não foi oferecido ao leitor na faixa…
Parte do prestígio de Doctor é o seu “Newsonomics”, em que dita tendências da indústria da mídia. São elas:
- Diante de tanto conteúdo oferecido e em disputa por atenção, você é o seu próprio editor
- Cerca de uma dúzia de grandes conglomerados de mídia dominará o mercado
- O aspecto local conta cada vez mais
- “O Velho Mundo das notícias acabou – vamos aceitar isso”
- Uma grande quantidade de intermediários foi eliminada, e quem hoje reúne e oferece os melhores conteúdos, sai na frente
- As empresas de notícias estão, cada vez mais, usando conteúdos de amadores, e os misturando aos produzidos por profissionais
- Repórteres se tornam blogueiros, e vice-versa
- Empresas da mídia estão investindo mais e mais em especialização e nos nichos de consumo
- Não existe mais a disputa homem versus máquina. Cada um desses elementos auxilia na equação. É preciso tirar o melhor deles para fazer os negócios prosperarem
- Jornalismo se aproxima e se aproveita do marketing, e vice-versa
- Jornalistas precisam se esforçar mais ainda (se especializar, se reinventar) para manter seus empregos
- Não se deve apenas olhar para o cenário de crise. Este mesmo cenário mostra lacunas que podem ser exploradas e se tornar grandes oportunidades
Algumas dessas tendências parecem se aplicar a muitos mercados e realidades, inclusive o brasileiro. Outras, nem tanto.
A posição de Doctor na entrevista à Folha, essa de pagar por conteúdos, carece de mais pesquisa e comprovação nas praças brasileiras. Nos fóruns por onde passo, não vejo essa disponibilidade toda apontada por Ken Doctor. Nos blogs, isso não está evidente. Nem nas redes sociais, vigora tanto entusiasmo.
Estarei exagerando ou falando alguma besteira de graça? Toca Raul!