Fazia algum tempo que eu não a via pessoalmente. Mas na semana passada, ela passou pela cidade para uma conferência num evento, e foi a oportunidade de nos revermos rapidamente. Afetuosa como sempre, me deu um abraço daqueles, fez questão de me olhar nos olhos e me escaneou a alma. Acho que passei… Me trouxe também um presente: Você tem o meu livro de memórias? Sem jeito, fui sincero. Não. E ela sacou um exemplar com dedicatória e tudo o mais.
Acariciei a capa, sentindo a leveza do papel e deixei as páginas ventilarem meu rosto. Duas noites depois, abri o livro querendo um tantinho mais. E quem disse que consegui deixar de lado?
Me dei conta de que conheço Cremilda Medina há quase 15 anos. Ela me orientou no doutorado e convivemos um tempinho, pouco diante do que eu poderia aprender.
Em “Casas da Viagem”, Cremilda não apenas oferece uma autobiografia, mas porções generosas de diversos encontros que teve na vida nas últimas sete décadas. De maneira original, ela toma o mote das casas que habitamos ao longo da existência para contar o que viu, sentiu e viveu. As casas são as contas de um colar, e cada um tem o seu… Desprendida, a autora narra suas origens em Portugal, os tempos de imigração, a passagem pelo Rio Grande do Sul, a longa estada em São Paulo e as muitas viagens pelo mundo, como jornalista, pesquisadora e professora. Franca, a autora lembra de momentos bons e ruins, dá os nomes certos aos acertos e aos erros, e deixa escapar parte de sua coragem e ímpeto.
Aquelas páginas nos contam da relação de Cremilda com escritores e artistas, do convívio com intelectuais e cientistas, da vida difícil em tempos difíceis, da certeza de que a vida deve ser celebrada. Ao final, somos apresentados às casas da viagem, em fotos vívidas dos imóveis que a autora já habitou, como um filme rápido que desfila pelas nossas retinas.
Autobiografias há aos milhões. Toda vida merece ser contada e registrada. Este livro de memórias de Cremilda Medina não é um acerto de contas, não é um balanço de trajetória, não é uma ostentação de ditos e feitos. Para mim, as “Casas da Viagem” é um volume que cerca uma personagem que está à procura de si mesma. Alguém que sabe saborear bons e maus momentos, e que enxerga na vida uma grande aventura, um risco do qual não se pode fugir.