sobre jornalismo e sobre o racha no sindicato

É incômoda a constatação, mas ela é verdadeira: a mídia não cobre a mídia, os jornalistas não se ocupam de acompanhar e registrar, e investigar e inquirir os próprios jornalistas. Salvo raras exceções.

No episódio atual do racha do sindicato (a que me referi aqui, aqui e aqui), poucos colunistas da imprensa tocaram na questão. Moacir Pereira foi lacônico ao mencionar o manifesto divulgado pelo grupo que discorda da condução da sucessão na entidade. Alessandro Bonassoli, do Notícias do Dia, escreveu algo também. Mas foi Cesar Valente, do Diário do Litoral, quem mais vem tratando do tema. Ontem mesmo voltou à carga, respondendo a comentários em seu blog, um meu e outro de Maria José Baldessar, professora da UFSC.

Cesar justifica seus comentários de que o grupo queixante estaria “morrendo de vontade de entrar na chapa”.

Ao ler o manifesto ficou-me a impressão que se tratava disso: um grupo ficou de fora da composição da chapa única e estava reclamando porque gostaria de estar na chapa. É provável que tenha entendido errado, porque dois dos signatários do manifesto dizem que não foi bem isso que quiseram dizer.

Ora, vai me desculpar, mas qual é a obrigação do jornalista? Checar os lados. Cesar conhece boa parte dos signatários do manifesto, ele mesmo disse. O colunista conhece gente da chapa em questão. Por que não ligou, não mandou email? Por que não perguntou, não foi confirmar informações? Dessa forma, evita-se uma série de atropelos e deslizes jornalísticos. É lição básica de jornalismo, checar as informações, apurar os dados, mesmo que eles sejam oficiais. Se não, a coisa fica muito mais parecida com fofoca, com comentário na esquina do Senadinho, com diz-que-diz.

A surpresa que muitos colegas jornalistas e blogueiros manifestam sobre o racha demonstra claramente o afastamento, a distância que estão mantendo do sindicato. E por várias razões, inclusive do próprio sindicato. Já fui dirigente e sei das imensas dificuldades de se atrair os colegas para as discussões, da colossal dificuldade de demolir uma cultura de crítica cega e intransigente diante de qualquer ação desta natureza. Parece que sindicato – no Brasil – é tudo igual, todos são mal intencionados, todos querem “se beneficiar”, todos são partidários.

E reafirmo: não é assim.

Pensar assim é se entregar ao senso comum, e – do ponto de vista jornalístico – errar, já que não se checou a informação, já que não foi conhecer aquele fragmento de realidade.

3 comentários em “sobre jornalismo e sobre o racha no sindicato

  1. Obrigado pelas lições de jornalismo. Se tem alguma coisa da qual me orgulho é de estar sempre aprendendo. E sempre disposto a aprender.
    Quanto ao “não ligou” e o “não mandou e-mail”: conversei por telefone, há algumas semanas, com o Aderbal e com a Valci. Aderbal me disse mais ou menos o que depois foi redigido no manifesto. Imaginava que eles, por estarem participando do processo e terem sido os primeiros a comentar a dissidência, fossem fontes confiáveis. Depois, conversei por e-mail com a Maria José, que enviou-me o texto e pediu-me para assinar o manifesto. Expliquei-lhe minhas razões. Foi do que ouvi deles e do texto do manifesto que formei minha opinião. Antes de classificar como fofoca uma opinião que lhe desagrada, não seria interessante verificar, como um experimentado observador de mídia, se por acaso o texto do manifesto não estaria redigido de forma a deixar claro o descontentamento pela forma como a chapa foi formada? Ora, se estão descontentes com a formação da chapa, se questionam a composição, se informam que algumas pessoas foram alijadas da chapa, onde está o grave erro que cometi? Que ficaram de fora da chapa está escrito no manifesto. Que morrem de vontade de voltar deduzi, pelo esforço de publicar o manifesto e de coletar assinaturas de apoio. Por que fazer isso se não tiverem vontade (coisa absolutamente legítima, da qual vocês não deveriam se envergonhar) de retomar as posições e de reassumir certo protagonismo na liderança sindical?
    Mais uma vez obrigado pelas lições, são sempre úteis. Espero que, um dia, talvez com um pouco mais de informação sobre meus 34 anos de carreira profissional e alguma experiência sindical, você possa rever a avaliação de “mau jornalista” que me impõe com tanta segurança. Mas isso não tem pressa. O importante agora é deixar claro que, apesar do que estava escrito no manifesto, vocês não morriam de vontade de voltar pro sindicato. Fiquem tranqüilos, tratarei de publicar uma retratação.

  2. Cesar, em nenhuma linha, te acusei de “mau jornalista”. Essa é uma dedução sua…

    De qualquer forma, respondo uma questão que você colocou:
    “Por que fazer isso se não tiverem vontade (coisa absolutamente legítima, da qual vocês não deveriam se envergonhar) de retomar as posições e de reassumir certo protagonismo na liderança sindical?”

    Assinei o manifesto pela simples razão de que me preocupo com a entidade que – como você – ajudei a construir. Gostaria que o sindicato fosse uma entidade melhor, sempre e sempre. Discutir o seus rumos futuros e os passos presentes é uma forma de fazê-lo.
    Não tenho interesse em cargos ou voltar à direção, mas posso questionar e me preocupar. Isso também é ação política. Meus interesses ficam circunscritos ao fato de que ambiciono que o sindicato seja mais forte, mais representativo, mais atuante para lutar pelos interesses dos seus representados, associados ou não.
    Quando a gente critica a grande política – a partidária -, temos sempre a intenção de amealhar cargos e pretensões? Não necessariamente. O que nos move nesses casos? Talvez a vontade de fazer melhorar.

    Muito humildemente, e talvez ingenuamente, foi o que me moveu.

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