sapatada: jornalista não pode!

Eu sei que a cena ajuda a fechar com chave de ouro oito anos de um governo desastrado e desastroso. Eu sei que foi por pouco que Bush não leva uma (com um pouco mais de mira, duas) sapatadas. Sei também que o ato protagonizado pelo jornalista Muntazer al Zaidi foi comemorado por meio mundo porque ilustra com grandiloqüência a desaprovação à administração Bush.

Mas não foi certo.

Não quero polemizar à toa, mas não foi certo.

Jornalista nenhum poderia ter feito aquilo. Por questões óbvias profissionais. Al Zaidi não estava lá para atentar contra Bush, para contradizê-lo, para protestar contra a ofensiva ao seu país. Credenciou-se para a ocasião de participar de uma entrevista coletiva e deveria, isso sim, ter brigado para questionar o presidente norte-americano, para colocá-lo na parede com perguntas indigestas e até mesmo constrangedoras. Al Zaidi não estava lá como um cidadão iraquiano ou de qualquer nacionalidade. Estava numa espécie de pessoa jurídica, na condição de jornalista, de representante de um determinado veículo de comunicação, e como tal, deveria atuar dentro das quatro linhas desse jogo.

Sei que a quase-sapatada gerou um estado de euforia em muita gente. Claro que ele em si já é uma piada, e ocasionou até jogos online, onde as pessoas se desestressam acertando o presidente. Al Zaidi traz à tona uma vontade nem tão secreta de milhões, quem sabe, bilhões de pessoas de punir um governante tão despreparado, inábil e irresponsável. Mas o papel dos jornalistas está em fiscalizar os poderes, denunciar abusos, investigar, perfilar personagens, contar histórias. Ao perder a paciência ou o controle, Al Zaidi deixou seu posto de jornalista, pulou o balcão e juntou-se aos cidadãos anônimos que não têm as obrigações e deveres que o jornalismo nos impõe. Não é um lugar ruim, mas o ethos é outro.

Al Zaidi deixou de contar a história para tornar-se personagem dela. Do ponto de vista da catarse coletiva de ferrar Bush, valeu. Do ponto de vista da ética profissional dos jornalistas, não vale. Com isso, foi preso, espancado e deve responder por processo que deve lhe render prisão. As entidades que lutam pelo direito de expressão fazem protestos contra as agressões por ele sofridas, o que é natural e esperado.

Fico pensando se ele tivesse acertado o alvo. De uma certa forma, acertou: deu ao mundo a última cena de um governo ruim para os Estados Unidos, para o mundo e para a nossa história.

3 comentários em “sapatada: jornalista não pode!

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