michael jackson e eu

25 de junho de 2009. 17h40. “Meu! O Michael Jackson morreu! Não, não. Sofreu um ataque… é, um ataque! Tá aqui no Twitter”. Meu aluno Joel Minusculi suspende o ar no laboratório da universidade. As pessoas se olham, não acreditam, a gente chega a soltar piadinhas, pensando ser mais um hoax da internet.

1982. Num bairro da periferia de Rio Claro, interior de São Paulo, peço pra vizinha para que deixe ver a capa do disco que ela ouve sem parar a todo o volume. Charmosamente, Michael Jackson repousa num conjunto branco, sobre um fundo escuro. Peguei o LP nas mãos e pedi emprestado.

25 de junho de 2009. 18 horas. Os sites noticiosos começam a confirmar a notícia da morte do artista. As redes sociais já convulsionam. “Não acredito! Não acredito”, é o que mais ouço.

1982. Toco “Thriller” sem parar em casa, o telhado quase dança. Eu e meus três irmãos fazemos a farra na ausência dos pais, no trabalho.

1983. No bairro pobre, a moda pega. Quem tem o disco, empresta para que o vizinho faça cópias em fitas cassete. Na escola, no festival de talentos improvisado, começamos a imitar as danças do cara. Juntamos dinheiro para comprar jaquetas vermelhas, como a usada no clipe de “Thriller”. Não evitamos mais usar meias brancas com sapatos e calças escuras. Se ele pode, podemos tambem. Meninos brancos como eu passam a desejar ter mais melanina e mais balanço.

25 de junho de 2009. 19h20. Disciplina de Redes Sociais na Internet. Anuncio na sala de aula a morte de Michael Jackson e a rapidez do twitter, os vídeos mais vistos no YouTube, e os fóruns fervilhantes no orkut. Os alunos têm em média 18 anos. Conheceram a fase menos glamourosa do artista, mas não conseguem disfarçar a consternação, o espanto, a sensação de perda.

1984. Não existe internet. Não existe MTV no Brasil. Os clipes são exibidos em programas da TV aberta, e em ocasiões especiais até mesmo no Fantástico. Quase ninguém tem videocassete no bairro da periferia. Ficamos na expectativa de quando os clipes são exibidos… e quando isso acontece, paramos com tudo para estudar os movimentos do dançarino que parece ter asas nos pés.

1999. Michael Jackson já parece não me importar mais. Tenho outros ídolos. Suas excentricidades, os boatos, os escândalos alimentam uma cadeia imensa de piadas, de gracejos, de lendas. Sim, o artista que mudou a nossa forma de dançar, de cantar, de pensar e viver o pop se torna uma caricatura.

1985. “We are the world” é a música mais executada. Os meninos e as meninas do bairro pobre passam a cantar o hit. Foi a primeira letra de música em inglês que aprendi. As professoras chegaram a distribuir cópias nas aulas, falando de  geopolítica, de união dos países, etc…

1985. Meninos e meninas dançam juntos os sucessos do artista. Imitamos seus passos. Cantamos num inglês inventado. Improvisamos performances na quadra arrebentada da escola. Fingimos ser zumbis coreografados. Esquecemos de tudo e entendemos que se pode ser feliz ao menos na duração de uma canção.

2000. Michael Jackson é um artista recluso, esquisito, atolado em dívidas. É o rei do pop, mas quem venceu a batalha foi Madonna, que soube se inventar, prosperar, impor estilos e modismos. Prince nem é visto pelo retrovisor. Mas quem é rei não perde a majestade.

25 de junho de 2009. 23h40. Minha esposa se espanta com o turbilhão nos sites de relacionamento, as comunidades em luto se espalham numa velocidade impressionante. Ligo para um dos meus irmãos – aquele com quem “ensaiava” os passos -, e ele parecia muito abatido.

26 de junho de 2009. 00h25. Estou num maratona pela TV, zapeando entre clipes, homenagens, noticiários. “A gente parece só dar valor ao que a gente perde”, diz a mulher ao meu lado. Concordo com ela. Michael Jackson já não era o meu artista predileto, era mais um bom motivo de piadinhas, de trocadilhos, de gracejos. Mas não posso ignorar que ontem – com ele – se esvaiu uma parte importante da minha adolescência, do meu passado. Por causa do artista, um dia, os meninos perderam a vergonha e dançaram. Por causa dele, meninos e meninas quiseram aprender a cantar, quiseram aprender inglês, pensaram em ser artistas, em sair do bairro pobre, em buscar uma outra vida. Se alguém conseguiu? Sei lá, não importa. Mas o artista trouxe o sonho, a possibilidade, a expectativa. Tudo num ritmo contagiante, feliz, arrasador.

Por isso, é triste a notícia. Como foi pouco feliz a vida pessoal do astro. Fica a música, ficam os passos, o relevo da sua figura. Fica a lenda.

22 comentários em “michael jackson e eu

    1. Sim, Ana, é triste.
      É, Alesscar, as memórias dos contemporâneos se fundem e se confundem…
      Ó, Liliana… não foi o post, foi a perda, né? abraço.

  1. Rogério,
    faz tempo que quero te parabenizar pelos seus posts tanto aqui quanto no twitter. Escrita fina e humorada, nos melhores sentidos. Tive a felicidade de parar meu tempo corrido agora para ler mais esse post. O meu filho de 6 anos é fã do Michael, dança e canta suas músicas com entusiasmo quase diariamente e, dada a sua pouca idade, do astro só conhece as imagens de arquivo, dos melhores tempos, e nada sabe sobre sua decadência e suas misérias. Nada falei sobre sua morte e vinha pensando no que dizer, mas lendo o seu post me dei conta que pare ele não faz a menor diferença, que ele já lidava apenas com o registro visual e sonoro do artista, com a obra, se quisermos separar o inseparável joio do trigo. E que portanto nada direi, salvo se o mundo se encarregar de informá-lo, daí já está na ponta da língua a respota pronta, óbvia e plenamente apropriada neste caso: virou estrela.
    Obrigada.

    1. Que barra, hein, Fernanda!
      Mas que bom! Você já tem a melhor das respostas… virar estrela… afinal, ele já era mesmo um astro… abraço

  2. Caro Rogério, meu nome é Christina e escrevo para o site Nós da Comunicação, tudo bem? Estamos elaborando uma matéria que vai falar um pouco sobre como vários canais de comunicação da internet ‘caíram’ ontem por excesso de acesso, mas principalmente sobre como um site, o TMZ, conseguiu furar todo mundo com a notícia da morte do Michael Jackson. Você já teve um tempinho para refletir sobre esse assunto? Poderia colaborar conosco?

    PERGUNTAS

    – Foi interessante observar a dinâmica dos veículos durante os acontecimentos. O TMZ era o único que dava a notícia como certa, os outros sites, inclusive o LA Times, citavam o site como fonte; G1 e Globo Online tinham chamadas desencontradas; o Jornal Nacional só confirmou depois que a CNN noticiou…Enfim, como você viu a cobertura da internet nesse caso?

    – Essa avalanche de posts em blogs, trocas de mensagens no Twitter, buscas no Google, atualizações na Wikipedia, provaram definitivamente o poder das mídias sociais, principalmente nesses últimos dias em que a cobertura da crise no Irã já tinha elevado essas redes a um outro patamar como canal de comunicação?

    Obrigada!
    bjs

    1. Christiana, vou te responder em seguida…

      Sim, Dani, foi uma perda e tanto… a gente ainda se sente um pouco perdido com tanta coisa sendo dita… mas sigamos!

  3. Sou da turma de Temas Contemporâneos, aliás foi na apresentação do meu grupo que você deu a notícia. Não conhecia muito da trajetória dele, mas sabia quem ele era. Sabia que ele existia! Conhecia o suficiente pra dizer que a lacuna que ele deixou não será preenchida, porque ele fez a fama, essa insubsitítuivel.
    O seu post explicitou bem e fez um paralelo muito interessante da sua relação com MJ e da carreira dele.
    Como sempre um ótimo post. Parabéns professor…

    PS: queremos ver o post de “despedida” da Univali. Confesso que eu muitos alunos já estamos sentindo a falta. E já ouvi várias pessoas perguntando, inclucive eu :”E agora quem vai orientar meu TCC???”

    1. Ó, querida Thayse, obrigado pela atenção e pelas palavras…
      Sim, haverá um post de despedida, mas vocês terão que me aguentar por mais algumas semaninhas, penso… abração

  4. Muito legal saber que você era fanzaço do MJ.

    Nunca cheguei a tê-lo como ídolo, até mesmo porque não peguei a melhor fase dele. Mas estou convicto de sua importância para a música e até mesmo para as artes, graças às inovações estéticas e de coreografia que MJ trouxe aos clipes.

  5. Belo texto, Rogério. Também admirava muito o cara. E gostei de ver que a imprensa tem tratado o cara com o respeito que merece em vez de ficar se refestelando em bizarrices – também reais – do MJ. Até a matéria de capa da Veja está respeitosa com a grandiosidade do que representou MJ para a música e a cultura pop mundial.

  6. É incrível como nos enganamos sobre o que as celebridades representam para nós. Até a morte dele, sempre amei as músicas, amooo muito o estilo Soul, e ele começou no mesmo. Lógico o brilhantismo e a sede pelo “a mais”, o fizeram passear por diversos estilos, sendo considerado “o rei do pop”. Pessoalmente o admirava até ai, sua voz de tenor altíssima, que é muito difícil de achar alguém que consiga cantar em seu timbre, sua desenvoltura astística impresionante e seu talento para o drama pessoal, fez com que multidões o amassem e o odiassem ao mesmo tempo. No entanto, quando o professor disse em aula sobre a morte de Michael, tantas coisas me passaram pela cabeça, era como se o que acabara de ouvir fosse uma piada e nada mais. Quando cheguei em casa e naveguei pela net e vi as inúmeras notícias e as chuvas de palavras de desconsolo pelo twitter e no msn, uma grande tristeza me tomou por inteira. Não sei explicar, só sei que sinto uma dor profunda. Me peguei chorando diversas vezes ao rever os inúmerdos clipes, concerteza fui uma grande contribuidora do congestionamento do youtube, que por vezes travava. A vida trágica e recrusa dos últimos tempos tornou todo esse episódio mais triste, e acredito que essa dor mundial vai além da perda de um astro inigualável, mais por saber que jamais ele poderá dar a volta por cima, pois todos que amavam o michael astro esperavam que ainda ouvesse uma carta na manga. Como se ele estivesse recluso em um casulo, mais que logo mostraria ao mundo mais um espetáculo de suas reinvenções. Sua morte pois fim a essa esperança, principalmente por que estava próxima a sua última turnê. Da qual muitos pensavam ser o momento de seu siblime retorno. Pois é, mais uma vez chorei pelo michael ao ler seu texto. Sabemos que como todas as lágrimas derramadas por outras celebridades, elas um dia sessam, contudo a dor da perda sempre caminhará com a glórias de suas músicas e com a majestade perpétua de alguém que viveu como morreu: inusitadamente.

    Jamile Tonini

  7. Olá, é a primeira vez que entro. Estava procurando informaçoes sobre Michael e apareceu um link pra cá..
    Eu sou muito fã do Michael desde pequena, meu filho tambem adora as musicas e dança toda hora tentando imita-lo.
    Quando soube da morte dele passei a semana inteira com uma sensação estranha, não dá pra descrever, era algo que me apertava. Eu só pensava: Que sacanagem!! Isso não podia ter acontecido, não agora!! Tão perto do inicio dos shows…
    Michael sempre foi cheio de misterio e magia, e morreu da mesma maneira que viveu : de forma surpreendente!!
    Da eterna fã….

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