gay talese está falando demais

Vou contrariar. Enquanto todos os principais órgãos da imprensa continuam aplaudindo, celebrando e babando nas declarações de Gay Talese, não resisto em dizer que a vinda do veterano e mítico jornalista para o Brasil já está cansando. Pronto, falei!

O fato é que todos os dias tem alguma entrevista ou declaração de Talese, quase sempre de forma polêmica ou desfocada. O jornalista veio ao país para a Festa Literária Internacional de Paraty e para um extenso roteiro de palestras, entrevistas, lançamento de livro e outros oba-obas. E boa parte dos repórteres que acompanham o mestre dos perfis e de reportagens sensacionais não tem conseguido manter uma distância saudável e necessária de sua fonte, incorrendo num dos principais deslizes da profissão. Assim, perguntam para o senhor Talese o que ele achou da queda da obrigatoriedade do diploma – “provavelmente acertada”-, o que pensa de Michael Jackson – “a mídia o matou” -, o que acha dos novos jornalistas – “não existem mais repórteres excelente”-, e por aí vai. Consultam o mestre nos intervalos de seus suspiros, como quem procura um oráculo, uma bússola.

Devagar, pessoal.

O senhor Talese tem contribuições históricas para o desenvolvimento do jornalismo, ainda exerce uma influência notável na área, mas daí a seguir sua sombra e fazer de seus comentários vaticínios da existência já é demais. Aliás, pessoalmente, acho que o senhor Talese está falando além da conta…

18 comentários em “gay talese está falando demais

  1. E se ele tivesse opinado a favor do canudo como exigência para o exercício da profissão (sim, pois estamos falando desta exigência, e não do diploma, propriamente dito), estaria falando demais em sua opinião?

  2. Não se trata apenas do diploma. Para Talese, os jovens jornalistas não prestam. Para Talese, a mídia matou Michael Jackson… a questão do diploma é apenas mais um fator na verborragia vocalizada por Talese… só…

  3. oooolha… Talese não está falando demais, ele está falando o que pensa.
    gostei quando ele disse que jornalista tem que tirar a bunda da cadeira e ir pra rua. é uma grande verdade.
    o que acontece é que ele não está em condições de opinar sobre certos assuntos, porque não os conhece.
    ele não acessa a Internet, então não pode avaliar os blogs etc.
    ele também não conhece a estrutura das universidades brasileiras, muito diversas das universidades dos EUA, nem a estrutura de poder que se estabeleceu no Brasil, com políticos donos de jornais, rádios e TVs, então não consegue ter a dimensão do que significa, politicamente, a organização profissional dos jornalistas no Brasil.

    de resto, ele é uma personalidade autêntica, vaidosa e que está aproveitando os holofotes. ele é “um homem de sua própria geração”, com idéias preconcebidas, e é nesta moldura que temos que colocá-lo.

  4. Perdão… mas organização profissional nada tem a ver com exigência de diploma.

    Sobre Talese. Sinceramente não vejo nenhum absurdo nas declarações dele. Ou você acha que o grosso dos formandos em jornalismo neste país tem alguma condição de exercer a profissão? Óbvio que existem exceções (honrosas), mas elas confirmam a regra. A formação, nos moldes atuais, é péssima.

    1. Victor, eu conheço apenas uns 30 cursos de Jornalismo dos mais de 300 que existem no Brasil. Mesmo assim, não me arriscaria a fazer tal generalização. A questão do ensino de Jornalismo é muito complexa para tratar neste comentário. Aliás, ensino de Jornalismo é um dos temas de que este blog mais trata…

  5. Concordo plentamente, e sobre o comentário do diploma, é fácil falar sem realmente saber como funciona o nosso país. Não que ele não saiba, mas também não tem experiência de vida no local para saber o que é certo ou errado. Pode ser certo para o país dele, levando em conta o contexto de lá.

    Aproveito o comentário para dizer que fiquei chateada quando soube que não terei aula com você. Estou no primeiro semestre, já ouvi falar muito bem tanto das suas aulas, como de você, e criei certa admiração ao ler alguns posts seus e outras publicações. Confesso que estava ansiosa para suas aulas… Mesmo assim desejo muito sucesso nas suas escolhas.

  6. Na sexta-feira passada lemos uma entrevista do Talese e fizemos uma crítica ao que ele disse sobre a imprensa matar MJ, não ter mais repórteres que prestem e que internet na visão dele é melhor nem comentar. Discordei de quase tudo, só apoiei o jornalismo literário que ele diz não gostar, mas pratica… um tanto cotraditório. Concordo que o Gay Talese andou falando demais.

    Como tinha prometido, o endereço do meu blog é: http://www.reflexoseu.com.br
    Obrigada por esse semestre. Apesar de não querermos que você vá, sucesso hoje e sempre!

  7. Rogério, acompanho seu blog e sei que o debate que você propõe é construtivo. Minha impressão quanto à qualidade dos cursos de Jornalismo no Brasil advém de duas fontes. Minha experiência pessoal enquanto acadêmico e minha experiência profissional.

    Cursei Jornalismo na Faculdade da Cidade (hoje UniverCidade, no Rio de Janeiro, entre 1988 e 1991 – abandonei no 7º período, antes de me formar) e, posteriormente, completei o curso na Universidade Católica Dom Bosco (entre 2006 e 2009, quando cursei o 7º e o 8º períodos e, paulatinamente, matérias orientadas.). De forma alguma posso afirmar que a experiência nas duas instituições me transformou em Jornalista. O curso não foi decisivo na minha formação (embora considere que ele possa ser fundamental para outras pessoas). Penso que, se tivesse me dedicado a um curso de Letras, de História, Sociologia ou Filosofia seria um jornalista bem mais capacitado do que sou hoje.

    Minha experiência profissional (trabalhei em diários cariocas e sul-mato-grossenses – moro em MS desde 2000 -, em sites de notícias, em tevê e assessoria de imprensa) me fez concluir que a imensa parte dos jornalistas que saem das escolas de Jornalismo não tem condições de exercer a profissão, salvo (como faço sempre questão de dizer) honrosas exceções.

    Porque isso ocorre? Penso que os cursos estão obsoletos. Minha opinião sobre o que pode ser feito para reverter esta situação está aqui.

    Um abraço.

    1. Entendo, Barone.
      Mas se os cursos são ruins, penso que é preciso melhorá-los e não extingui-los. Porque assim simplesmente não resolvemos.
      O long post em seu blog ilustra bem a complexidade do assunto. Os cursos são um advento recente – tem aí 40 anos -, muitos sofrem com infra-estrutura inadequada, professores mal-preparados e organizações curriculares deficientes. O estágio não é regulamentado e desde sempre foi tomado como um fantasma. Os cursos de pós-graduação poderiam ter mais ligação com a graduação. Os próprios cursos de graduação poderiam se aproximar mais do mercado, de forma crítica, mas não refratária.
      Enfim, é um longo caminho, Barone.
      abs

  8. Concordo com o Christofoletti. Em uma analogia rápida, estão tentando ‘caetanar’ o Talese. Comparando com o MJ, o fato dele ser eterno não quer dizer que ele seja atual. E o Talese pode muito bem ter perdido o bonde da história. Concordo com muito do que ele disse, mas dá pra ver que algumas coisas podem ter sido colocadas fora de contexto.
    Sobre o diploma: acho que o Ashton Kutcher foi mais sensato falando sobre o Sarney, que Talese sobre o jornalismo. Essa análise não se resume à um fato isolado, e a compreensão da realidade brasileira é importantíssima pra entender o peso dessa nova realidade. O curso não está nenhuma maravilha, assim como outros tantos. Mas a questão vai além disso. E tenho certeza de que se Talese tivesse conhecimento disso, a opinião dele provavelmente não seria apenas essa (se já não é).

  9. De forma alguma defendo (ou defendi em qualquer momento) a extinção dos cursos de Jornalismo. O que semrpe defendi foi a não obrigatoriedade do diploma para o exercício da profissão, como ocorre (como você sabe) na maior parte do mundo civilizado, sem que isso tenha implicado na morte dos cursos de Jornalismo.

    O assunto é, realmente, complicado, mas inevitável para quem quer (como você, eu e muita gente por aí) conviver (com) e praticar um jornalismo melhor. Acho fundamental que os cursos se modernizem, se adequem e que os bons permaneçam, cada vez mais fortes. Mas, penso ser inconcebível mantermos centenas de cursos que hoje se espalham por aí, mais preocupados em emitir um pedaço de papel, um certificado cartorial, do que, de fato, formar jornalistas.

    Abs.

    1. Sim, Barone, existem muitos, mas muitos cursos no país. Mais do que o necessário. Mais do suportam as demandas de mercado. A formação em Jornalismo no Brasil precisa melhorar, sim. Está longe de ser ideal, mas é importante assegurar que haja um período formal de instrução específica para a área.
      O diploma era cartorial? Sim, talvez. Mas é uma certificação, um atestado de passagem por esta formação. Não garante plenamente a capacidade, mas demonstra capacitação. E na época de vigência de sua obrigatoriedade, o diploma era também condição de habilitação. Como a CNH para os motoristas. Não basta que dirija bem se não tiver e portar a carteira. É ela quem habilita a dirigir…
      O diploma funcionava também como trava para o ingresso no mercado de trabalho. Uma possível válvula de segurança, que regulasse a entrada nas redações, etc… Os advogados mantêm isso. O exame da OAB é um exemplo de trava de ingresso no mercado de trabalho…
      Sigamos, Barone, discutindo, pensando e trabalhando para um jornalismo melhor.
      abs

  10. Tem coisa que já morreu no Talesse e não enterraram ainda. E tem desesperado que sempre vai dizer que o passado é o paraíso perdido.

    Respeito Talesse pelos trabalhos que ele concretizou. Mas me sinto ofendido, como repórter, pelas declarações atuais dele. É opinião fora de contexto.

  11. Olá pessoal,

    Acredito que criticar o Talesse em si, já é tanto um indicador bastante sensível de um retrocesso sobre a real visão que devemos ter a respeito da essência da cobertura jornalística (como um todo), como também um tiro de acerto em fazer os devidos ajustes quanto ao conflito de gerações entre a visão dele próprio – acreditem, de um outro tempo, outro mundo – e os novos tempos da mídia moderna.

    Como toda boa dita ‘lenda’ ainda viva, não se pode esperar que ele tenha todas as respostas. Achei isso um demasiado exagero… Como disse o autor aqui, o homem não é um oráculo e não deve ser visto como tal. Também acho certo consenso íntimo na afirmativa de que “falar sem saber PODE ser falar um pouco demais”, mas também acho que pode-se ver apenas aquilo que se quiser ver.

    Se guardarmos as devidas proporções, mesmo Talesse transcorrendo sobre coisas não tão directamente ligadas à realidade de seu tempo, seu enquadramento e visão, AINDA ASSIM, nas entrelinhas, está escrito o que quer dizer o homem: dou-lhe razão sobre suas remarcas a respeito da técnica e do veículo hoje, sobre ir para a rua, sobre o ‘contar a história’…

    Fico um pouco obtuso em relação ao ‘a midia matou MJ’ (acho isso um pleonasmo vicioso). Na minha opinião, ambos tentaram se matar… desde sempre, como o é com todas as outras celebridades. No final, a mídia em si – como um organismo múltiplo porém sem uma persona única, mas sim ‘total’, sempre sobrevive. Convenhamos, a linha que divide o transmitir de um ‘contar a história’ e o ‘invade e bisbilhota até o osso’ é cruzada o tempo todo, por jornalistas ruins e outros também. É um caso complexo.

    Por fim, acho que ele fez um comentário bastante óbvio sobre a ‘queda da exigência do diploma no Brasil’. A grande maioria de países extremamente bem desenvolvidos não o exige. Ponto. E justifico minha opinião simplesmente por anexar-me ao termo colocado pelo próprio Talesse como “provavelmente acertada” em relação à decisão de suprimir a obrigatoriedade do diploma. Obviamente, não conhecendo muito bem a realidade do Brasil (mas conhecendo como poucos a essência da realidade do jornalismo e levando em conta o nível dele em outros países), o adendo “provavelmente” da sua resposta me parece algo no mínimo óbvio.

    Não acho que ele esteja falando demais. Talvez, estejamos lendo de menos (na entrelinha).

    Brasso.

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