“o brado retumbante” é ingênuo, mas interessante

Os americanos não têm tantos pudores quanto os brasileiros quando o assunto é usar seus presidentes na TV ou no cinema. Na pele do chefe da nação, Harrison Ford já trocou sopapos para salvar o mundo em seu Força Aérea Um, Morgan Freeman, Danny Glover e Jack Nicholson anunciaram o apocalipse, e até mesmo o baixinho Martin Sheen já mandou na Casa Branca. Os presidentes americanos pilotam caças contra alienígenas, lideram ofensivas globais, assumem – com algum conforto – o posto de xerifes do planeta.

Entre nós, a coisa não é bem assim.

A minissérie “O brado retumbante”, no ar na TV Globo desde a terça, 17, é um produto que foge à regra. Apresenta a história de um presidente acidental, cercado de chacais palacianos, e disposto a colocar o país nos trilhos, apesar de seus muitos deslizes pessoais. A direção caprichada, o ritmo bem cadenciado dos capítulos e o elenco que mescla medalhões e rostos menos conhecidos ajudam a dar um charme à trama. A trilha sonora reúne bons momentos, embora não tenha sido criada especificamente para a ocasião. Cenários aludem mais ao Rio de Janeiro que Brasília, mas isso pouco importa no enredo. Fica até mais bonito.

Particularmente, tenho gostado da história na medida em que embaça as fronteiras entre as vidas privada e pública do presidente Paulo Ventura, e quando mostra aliados e opositores de forma dúbia. O presidente se mostra aturdido pela surpresa de ter que assumir o cargo mais alto do país. É pressionado de todos os lados, até mesmo de quem ele menos poderia esperar, a mãe. Os diálogos oscilam entre boas trocas de farpas e discursos mais didáticos, que quase convidam ao sono. Mas a atração vale a atenção.

A história se apoia em alguns pontos frágeis, muito próximos da ingenuidade:

. Ventura se torna presidente porque o primeiro e o segundo homens da nação desparecem num acidente de helicóptero! Ora, em nenhum lugar do mundo, presidente e vice viajam juntos! É uma norma básica de segurança e de manutenção do poder!

. Um senador ou outro têm acesso fácil e privilegiado ao gabinete do homem, e chegam de forma intempestiva. Ora, não há secretária, agenda presidencial, protocolos? Em toda parte, esse acesso é restrito, dificultado pela burocracia, por filtros!

. A filha de Ventura se mete em enrascadas e grita, como que anunciando, ser filha do homem. Ora, em tempos de redes sociais, paparazzi e meios de comunicação de massa, ninguém sabia disso? Só se estivesse no Canadá…

O fato é que “O brado retumbante” é um bom exercício narrativo, apesar da visão política maniqueísta e juvenil. É uma boa história mesmo com sua estatura rasa, sem muitas camadas e temas paralelos. Sua nuvem de tags poderia trazer “ética”, “política”, “corrupção”, “utopia”, “moralismo”, “justiça”, “novo país”, “público versus privado”, “interesses privados”, “razões de estado”… Tornar mais intrincado o jogo entre essas palavras é que seria muito bem vindo.

Seus autores e realizadores só não podem querer fazer da diversão um capítulo do Telecurso 2000 ou mesmo uma transmissão da TV Senado. Teledramaturgia não precisa de didatismo nem discursos insossos. Requer ritmo, bons diálogos, trama envolvente, personagens críveis e finais não previsíveis. Aliens, guerras mundiais e finais do mundo podem ficar com os americanos…

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