(Já que falei da 11ª Semana do Jornalismo, reproduzo abaixo um texto que publiquei na Semana Revista, a pedido dos organizadores)
Idealismo e parcialidade ajudam a consolidar uma imagem equivocada do jornalismo. Embora ele seja uma atividade de massa, altamente exposta e cada vez mais presente na vida social, nem sempre se sabe como ele funciona, o que chega a ser uma contradição. Como são cercadas por veículos de informação, as pessoas acham que estão íntimas do jornalismo e se acomodam com os conceitos que dele têm. Por conveniência e letargia, jornalistas e veículos também não se mobilizam muito para desmanchar mitos insustentáveis como os da objetividade, imparcialidade e verdade única. Este círculo vicioso mantém visões românticas e glamourosas do jornalismo.
Como isso interfere na vida do cidadão comum, que não frequenta uma redação nem se preocupa com os valores-notícia? Essa visão idílica distorce também os julgamentos sobre os produtos e serviços jornalísticos, fazendo com que as pessoas passem a julgar as coberturas de uma forma que não tem correspondência com o cotidiano das ruas. Trocando em miúdos: as pessoas vêem o noticiário e se escandalizam com o enfoque das reportagens, julgando que alguém ali está querendo enganá-las. Claro que isso pode acontecer, mas nem sempre é manipulação descarada, distorção deliberada ou um grande plano conspiratório. Pode haver uma série de razões que expliquem a diferença entre a expectativa do público e a narrativa apresentada. Este descolamento entre o desejo da audiência e o produto jornalístico causa frustração num primeiro momento, depois indignação e uma quase incontornável repulsa na sequência.
Em coberturas de casos polêmicos, a zona de tensão se amplia porque tendências ideológicas afloram com mais força e os limites editoriais também se impõem mais. Veja-se o Caso Pinheirinho. Em janeiro deste ano, a Polícia Militar de São Paulo expulsou com violência 1,6 mil famílias de moradores da comunidade do Pinheirinho, em São José dos Campos. Os soldados cumpriam uma decisão judicial de reintegração de posse do terreno, que pertencia à massa falida do grupo Selecta, do investidor Naji Nahas. A área contava com 1,3 milhão de metros quadrados, e o litígio opunha a ordem da justiça e milhares de favelados que ocuparam um terreno de um especulador que devia milhões de reais em impostos à prefeitura. Como a maior parte dos veículos de comunicação cobriu o assunto? Basicamente apoiada na legitimidade da ação policial em “desocupar” a área, sem questionar se a ordem era justa ou razoável, ao determinar desalojar milhares de pessoas para pagar dívidas tributárias.
O cidadão comum pode se queixar do tratamento dado ao caso pela mídia, enxergando ali a preferência de um lado em detrimento de outro, e – pior! – questionando a ética dos repórteres. Isso é legítimo? Sim, se o cidadão esperar que o relato jornalístico reflita o que o repórter sente e acredita. Mas nem sempre é assim.
O jornalismo é uma atividade complexa e coletiva. O resultado final, aquele que chega ao público, é produto de diversas etapas de apuração, checagem, recorte, seleção, adequação de formato, tradução de linguagem, embalagem e difusão. Claro que isso envolve mais gente, e que a visão do repórter pode se perder no meio de tudo, seja porque não é a que melhor retrata o fato, ou porque se corrompe ao longo do processo. As omissões no Caso Pinheirinho – sobre os abusos de poder da Polícia Militar e as violações de direitos humanos na ação -, a prevalência de um ângulo e a escolha da ênfase em algum aspecto podem sim contrariar preceitos da ética jornalística, expressa em códigos escritos ou em regras tácitas da categoria. O repórter “se vendeu” à visão do veículo que trabalha e por isso fez um “mau serviço”? Pode ser, mas é difícil afirmar com segurança. Sabe por quê? Porque existem mais fatores que ajudam a determinar a situação.
Nem sempre é o proprietário do meio de comunicação quem determina o viés da matéria. Muitas vezes, são os chefetes de plantão que atuam em nome de um jornalismo que insiste em conservar as coisas como elas estão. Eles fazem o serviço sujo, antecipando-se à sanha de um superior que supostamente gostaria de controlar todas as peças no tabuleiro. Em outras ocasiões, há o despreparo de quem sai às ruas para a cobertura, tanto técnico quanto cultural e cognitivo. Isso mesmo! Há repórteres que não se mostram capazes de “ler” uma cena, de compreender uma disputa, de perceber absurdos nas circunstâncias. Existem ainda os episódios em que tanto se mexe na matéria que ela se deforma, distanciando-se muito do seu sentido original. Note-se quantos fatores podem definir o resultado final de uma pauta!
Nem sempre é a consciência do repórter que determina e conduz a narrativa da reportagem. Valores-notícia, critérios editoriais do veículo, escolhas momentâneas de editores e decisores, consensos de redação também estão em campo. Afinal, onde fica a consciência no jornalismo? Fica em muitos lugares, mas precisa se orientar por um horizonte único: o interesse e a necessidade do público. Sem essa referência, qualquer bússola se desorienta.
JORNALISTA TEM QUE SEGUIR OS SRS. ATUAIS DO PODER, ANTES LULA ERA DURAMENTE ATACADO E DE REPENTE A IMPRENSA SE TORNA FLEXISÍVEL , QUE ESTRANHO !!!!!
Gostei muito desse texto, obrigada!