a quem interessa um jornalismo fraturado?

Enganou-se redondamente quem pensava que uma decisão do Supremo Tribunal Federal resolvesse por completo as questões mais importantes do jornalismo como profissão. A sentença que fez cair a obrigatoriedade do diploma na área para a obtenção de registro profissional não sepultou a questão, e só permitiu mais visibilidade às muitas fraturas que ajudam a compor essa combalida categoria. Hoje, passados oito meses do veredicto do STF, as fissuras são tantas que nem mesmo as entidades que poderiam atuar como pontos de aglutinação conseguem algum sucesso.

Talvez em poucos momentos os jornalistas tenham estado tão desunidos e divergentes

A Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) lidera uma campanha pela valorização da formação profissional e orienta seus 31 sindicatos filiados a trabalharem nesse sentido. Os sindicatos aquiescem e fazem figurar banners em seus websites, enaltecendo a importância dessa formação. No entanto, já há sinais evidentes de que há furos no barco. O Sindicato dos Jornalistas de Santa Catarina, por exemplo, já admite a sindicalização de não-diplomados. O Sindicato de São Paulo sinaliza que pode fazer o mesmo, e deve decidir sobre isso no dia 1º de abril.  No Espírito Santo, o sindicato não aceitou a proposta e se nega a receber não diplomados entre os seus quadros.

No caso catarinense, a decisão é altamente contestável, já que o assunto não passou pelo crivo da categoria em assembleia, tendo sido discutido só entre os diretores. Este é um tema político ou administrativo? É uma decisão cartorial que se move por consequentes dividendos de novos filiados ou é um movimento político para fragilizar a presidência da Fenaj, exercida pelo também catarinense Sérgio Murillo de Andrade? Difícil responder, já que as decisões dessa diretoria são tão transparentes…

A confusão se espalha

Mas a fragmentação no campo do jornalismo vai para além do movimento classista. Em diversos estados, as incertezas são tantas que se corre de um lado para o outro. A Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, por exemplo, aprovou projeto de lei que obriga jornalistas que servem em órgãos públicos estaduais a terem diplomas na área. Em Roraima, projeto semelhante foi aprovado na Assembleia. No Amazonas, os deputados estaduais vetaram projeto do tipo, e em Mato Grosso do Sul, a Comissão de Constituição, Justiça e Redação da assembleia local deu sinal verde para a tramitação de um projeto de lei análogo.

Há projetos de emendas constitucionais que resgatam a obrigatoriedade do diploma tramitando na Câmara Federal e no Senado. Há divisões cada vez mais evidentes na categoria. Há divergências entre as unidades sindicais. Há cursos de Jornalismo fechando no país. Essas circunstâncias ajudam a compor um cenário complexo e emblemático na história da consolidação do jornalismo como uma profissão. É evidente que a falta de unidade fragiliza a categoria e não ajuda a sociedade a melhor compreender o jornalismo, sua natureza e suas atribuições. É evidente também que há flagrantes choques de interesses dentro e fora da categoria. Há quem adore ver o circo pegar fogo. Pior: há quem ache que se beneficia com isso. Mas ninguém lucra com um jornalismo fragmentado. Nem mesmo a classe empresarial, que poderia colher frutos com uma categoria dividida.

Numa lógica imediatista, os empregadores podem ganhar mais força nas negociações trabalhistas, pois enfrentariam oponentes em frangalhos. Mas numa lógica mais perene, apostar na deterioração da profissão é contribuir para o enfraquecimento do jornalismo como negócio e como atividade social. Sem auto-estima, sem contornos profissionais bem definidos, sem profissionais que nele acreditem, o jornalismo vai mal. Se se apresenta hesitante, o jornalismo não serve à sociedade, não interessa ao cidadão comum e, portanto, não encontra meios de se sustentar como prática de negócios.

E a saída?

Apostar no ocaso do jornalismo, no embaçamento das fronteiras entre a profissionalidade e o amadorismo, e na fragmentação dos profissionais que dele vivem, volto a dizer, não beneficia a ninguém. Nesta guerra, não há vencedores no seu final.

Onde está a luz no fim do túnel? Na busca razoável por redefinições para o jornalismo. A decisão do STF é uma solução jurídica para um impasse permanente na área. Mas essa saída jurídica não resolveu os problemas da categoria, só precipitou mais dissonância e incerteza. Se aprovadas, as propostas de emenda constitucional podem ressuscitar a exigência do diploma, mas não vão enterrar a discussão em torno da qualidade da formação desses profissionais, da sua necessidade e da sua efetiva colaboração para um jornalismo melhor. Se aprovada, uma PEC dessas é mais uma solução legal, mas não total.

A meu ver, a solução total conjuga esforços jurídicos, de marcos regulatórios, mas também culturais e políticos. É necessário discutir e discutir e discutir o que constitui o jornalismo hoje nas sociedades complexas. É necessário repensar funções sociais e políticas para o jornalismo no jogo da contemporaneidade. É inadiável enfrentar a crise de identidade (e não financeira) do jornalismo. Sem isso, estaremos apenas adiando. Como quem deixa para a edição de amanhã a pauta de hoje…

8 comentários em “a quem interessa um jornalismo fraturado?

  1. Infelizmente, Rogério, a decisão do STF é política.
    E todos nós sabemos quem manda na casa.
    Eu estou entre a cruz e a espada: jornalista, diplomada pela Unisinos e cursando direito, que a meu ver, precisará de muitos consertos.
    Mas eu ainda acredito que haja uma luz no fim do túnel.
    Desculpe-me se ainda não utilizo a nova orotgrafia.
    Me recuso,.
    Somente quando escrevo papers e afins.
    Um grande abraço.
    Eliana

  2. Muito boa essa provocação do Monitorando. Dá gosto de acompanhar esse trabalho reflexivo. Mas me permita discordar de algumas coisas, Rogério. Sou a favor do diploma. Acredito que nenhum curso técnico dá conta dos problemas epistemológicos (desculpem o palavrão) e éticos da comunicação. Porém, uma vez decidida a questão pelo STF, o debate perde o sentido, se torna inócuo. Creio que não é a questão do diploma mas a velocidade das mudanças tecnológicas que colocam em crise a identidade do profissional. O que que será decisivo para ele continuar sendo importante para a sociedade (e acredito que vai) será o modo como responder a esses desafios tecnológicos, que provocam drásticas mudanças nos hábitos de consumo de mídia no público. Abs.

    1. Salatiel, você tem razão em trazer as questões tecnológicas como importantes para esta “reinvenção”… mas elas não são as únicas nem as mais importantes, né? Afinal, o jornalismo nasceu em meio a ela e sempre conviveu muito com tecnologia. Mudanças técnicas, operacionais, tecnológicas sempre estiveram no nosso horizonte. Não é de todo novo isso, mas que essas preocupações são incidentes no complexo cenário, não tenha dúvida. abraço

  3. Olá, Rogério!
    O momento de estresse já passou.
    Afinal, quem estudou jornalismo, fez várias especializações, doutorados, etc, não tem o que temer.
    A carruagem passa.
    E aproveito para mandar um grande abraço a minha querida “Florianópolis”: Feliz Aniversário a todo esse povo, que convivi por 05 anos.
    E um grande abraço para você.

  4. Caro Rogério, através do OI cheguei ao teu blog, interessantíssimo. O mesmo comentário que fiz anteriormente trago para sua página. Vou passar por aqui mais vezes – O retrocesso da inexigibilidade do diploma para o exercício da profissão é irreversível, pois a lacuna que se criou está sendo colmatada com medidas que podem deteriorar ainda mais a situação do jornalismo. Os agentes do campo jornalístico encontram saídas paliativas. É aqui que se esconde um dos problemas: os jornalistas não são agentes, são expectadores motivados por interesses pessoais, pouco representados por seus sindicatos, e sem a cultura de pensar a profissão. As grandes conquistas surgem das bases. A herança dos brandos costumes condiciona e torna-se visível em questões tão graves quanto esta. O aspecto positivo de toda a cena, é o processo de catarse que se inicia, mas muito ainda deverá piorar, até que o jornalismo entre em combustão, para ressurgir como fênix. Veja o caso do jornalismo Português, ou melhor, Lisboeta. Antes da primeira iniciativa da criação de um curso de jornalismo, promovido por Marcello Caetano, substituto de Salazar no regime de inspiração fascista, em 1968, e até 1979, quando é criada a primeira licenciatura pública, e ainda em ciências da comunicação, os jornalistas portugueses nunca tiveram formação. Até 79 o jornalista português foi esmagado e a classe achincalhada pelos donos do poder. Leia os jornais lusos de referência e veja a qualidade da informação, tire suas conclusões. Os retrocessos devem ser combatidos, com urgência. Sds de Lisboa.

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