polêmica do livro do mec é tempestade em copo d’água

Tenho acompanhado de perto o debate em torno do livro adotado pelo MEC e que estaria “ensinando errado” a língua portuguesa, ao reproduzir erros de concordância. E o que se vê nos meios de comunicação é bastante discutível não apenas do ponto de vista linguístico, mas também jornalístico.

De maneira ampla, os meios de comunicação têm engrossado as críticas ao Ministério e ao livro, formando uma verdadeira tropa de choque a favor da língua pátria. Jornalistas gesticulam, esbravejam, tecem discursos moralizantes em torno do idioma, como se viu, por exemplo, na edição de hoje cedo no Bom Dia Brasil, da Rede Globo. O jornalista Alexandre Garcia disparou contra o livro e o MEC, criticando uma certa cultura que fraqueja diante dos insucessos escolares, que flexibiliza demais o ensino e permite o caos que hoje colhemos na educação. Ele lembrou os exemplos da Coreia do Sul e da China, que há décadas investem pesado em seus sistemas educacionais e hoje prosperam, assumem a dianteira de alguns setores. Só se esqueceu de dizer que esses países investem nas ciências exatas e duras e não nas humanísticas, no ensino de língua materna, etc…

Não satisfeito, o Bom Dia convocou o professor Sérgio Nogueira, guardião da língua nacional e jurado do quadro Soletrando, do Caldeirão do Huck, este bastião da cultura brasileira. Nogueira também bateu forte, e quase pediu a cabeça do ministro Fernando Haddad, citando casos recentes (e graves) que chacoalharam o MEC. Só não “demitiu” Haddad por falta de tempo em sua intervenção…

Mas o caso do Bom Dia Brasil não é único. Alguém aí viu ou ouviu a autora do livro em alguma entrevista? Ela pôde dar sua versão? Alguém aí viu ou ouviu linguistas como Marcos Bagno e Ataliba T. Castilho, que pesquisam e trabalham há décadas em torno da discussão de uma gramática para o português falado e da singularidade idiomática do português brasileiro? Alguém aí viu alguma matéria sobre preconceito linguístico? Pois é, pois é…

Marcos Bagno tem um livro simples sobre o tema do preconceito linguístico, derivado de sua tese de doutorado e de anos de pesquisa. O professor Ataliba escreveu três volumes de uma gramática voltado ao português falado. Isso não é suficiente para se perceber que existem abismos entre o que se escreve e o que se fala? Que a língua falada é mais dinâmica, mais porosa que o padrão culto da língua, a ser aplicado na sua dimensão escrita? Alguém aí já ouviu falar de um genebrino chamado Ferdinand de Saussure, por acaso pai da Linguística, cujo livro póstumo de 1916 já tratava de separar língua (langue) e fala (parole)?

O fato é que sobra opinião apressada e ignorância na cobertura da imprensa sobre o caso. Sobra também prescritivismo, conservadorismo e elitismo no ensino de línguas. E justo nos meios de comunicação, ao mesmo tempo ator e ambiente fundamentais para difundir, disseminar e consolidar gestos de linguagem, fatos da língua…

18 comentários em “polêmica do livro do mec é tempestade em copo d’água

  1. O Estadão ouviu a profa: http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20110517/not_imp720274,0.php
    mas em uma matéria, explica todo o processo de aquisição de livros, a quem interessam, mas procura culpados (o outro link não vai passar pelo filtro do wordpress).

    Enfim, eu resumo no seguinte: jornalista não se mete a dizer que um estudo qualquer das neurociências é uma bobagem. Por outro lado, se acha muito conhecedor das ciências humanas. Temos que conviver com isso em relação a tudo que envolve as relações cotidianas, o que chamam de “senso comum”. Hoje quase joguei meu pedaço de pão com manteiga na cara do Alexandre, mas seriam dois trabalhos: limpar a TV e desperdiçar a comida. 😉

    1. Não, Márcio. Você está equivocado. Não tenho nenhuma vinculação partidária, nem tenho esse vínculo que vc aponta aí. E se a minha opinião não vale muita coisa, vc já sabe o que fazer: não volte mais aqui. Abraço também.

    2. Eu estava quase convencido do argumento do texto até que li esta intervenção bem fundada e talentosamente articulada. Obrigado por me salvar da ignorância, Márcio.

  2. Mas ainda assim me pergunto: Por que ensinar aos alunos variantes da língua que eles já sabem? E o pior! Ensinar variantes que não vão lhes ajudar a conseguir “prestígio social”, como diria Bagno… Acho meio complicado… creio que não deve haver o ensino da gramática pela gramática, simplesmente, mas focar na quesão da escrita e da leitura sempre. Infelizmente, apesar de tudo o que se diz, somos ainda obrigados a encher os alunos de tópicos gramaticais, muitas vezes desnecessários, já que o objetivo não é decorar a gramática, mas sim saber usá-la ao ler e escrever (textos de acordo com a norma culta da língua)

    1. Acho que o livro não ensina variantes diferentes da norma culta. Ele apenas explica que elas não são erradas, apenas inadequadas em certas situações.

  3. Olá, Rogério,
    Muito pertinente seu texto. O que as pessoas não percebem é que essa discussão de certo x errado é muito antiga. Se gravarmos a fala desse pessoal que está criticando o livro, flagraremos inúmeras vezes a tal afronta de não concordância, simplesmente porque é assim que falamos. Tenhamos o nível de escolaridade que for.

    Bruno, o livro ensina sim variantes diferentes da norma culta, até porque norma culta não varia. Para norma culta há um certo. FIM. O que não é norma culta são as variações que estão por toda parte.

    Outra exemplo, os brasileiros falam: ”assisti O filme”, quando a norma diz que se deve dizer ”assisti AO filme”. A lista de “erros” na fala do brasileiro seria infindável.

    Voltando ao Rogério, deixo um texto meu, resultado da minha dissertação de mestrado defendida em 2004, sobre esse fazer jornalístico em relação à Língua Portuguesa:
    http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=390FDS003

    Continuaremos na luta para que a mídia trate adequadamente o que a ciência diz sobre a língua. Quando Plutão deixou de ser planeta, ninguém chiou.

    Grande abraço
    Tânia @taniabraga

  4. Boa!!! Ótima defesa! Gostei muito da citação sobre Ferdinand de Saussure… Realmente os “puristas” desconhecem a Línguística, mas sabem quais são as comidas típicas lá d Portugal, o tamanho d Lisboa, a escalação da equipe do Porto, etc. Paciência… Paciência… Mas nós linguistas chegaremos lá, quer dizer, hemos d chegar lá ou havemos d chegar lá.. em fim… Chegaremos a comprovar q há uma distância entre o q falamos e o q escrevemos e q todas as variações linguísticas devem ser aceitas e respeitadas e estudadas e não marginalizadas e postas ao vitupério.. Falamos brasileiro.. oxe, oxente, opaió, meu chapa, meu véi, companheiro, meu garoto… estarão sempre na nossa boca quando necessário. Desconsiderar isso é ser um lixo!

  5. Oi, Rogério!
    Gostaria muito de ler o livro “Por uma vida melhor”.
    Ele está à venda nas livrarias?
    Se não, que devo fazer?
    Abraços
    Paulo

    1. Paulo, eu penso que não. Este livro é daqueles distribuídos pelo governo federal aos estudantes, entende? Então, a editora vende os lotes fechados para o comprador e tal… Mas talvez se ache por aí… é de tentar ver…
      abs

  6. Meu sonho dourado era fazer um Curso Superior de Lingua Portuguesa.A vida por inúmeros motivos me impediu por loingo tempo.Hoje aos 54 anos, honrosamente,cheguei lá. Comecei o Curso Licenciatura em Lingua Portuguesa e pergunto PRAQUE?

  7. Quem foi que disse que a aprovação em concursos e vestibulares se dá ao uso da norma informal? Minha gente, já pararam para analisar que tudo, exatamente TUDO atualmente tem se convertido em “preconceito”? Ninguém pode opinar, pois será crucificado, e outra, a grande massa (que sem dúvida, sempre está com mais “mal informados”) não formula pensamentos coerentes aos reais fatos. Vejam que irônico, os brasileiros querem se desenvolver, e até mesmo se comparar aos países desenvolvidos, mas dão oportunidade a discussões inúteis, discussões que nem deveriam ser levantadas (como essa do “Por Uma Vida Pior”, desculpem, Melhor”), pois o fato da norma culta ser apresentada a todos é inquestionável. E, se o ensino no país está péssimo, imaginem se o uso coloquial da lingua for aceito nas escolas? Coitados dos alunos quando entrarem no ambiente profissional, mal passarão nas entrevistas, e isto é, SE passarem.

Deixe uma resposta para Alessandra Cancelar resposta

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.